Você conhece a história da primeira regente brasileira?
A lista de feitos de Joanídia Sodré é impressionante. Antes de se tornar a primeira regente mulher formada no Brasil, ainda criança, aos seis anos, publicou sua primeira composição. Um pouco antes de completar cinco anos (cinco anos!), realizou seu primeiro recital, aqui em Porto Alegre. Uma menina prodígio, como definiu a imprensa da época.
Sodré nasceu em 1903, na capital gaúcha. Neste mês de outubro, completam-se 50 anos de sua morte. Considerada negra por alguns pesquisadores e parda por outros, foi ainda a primeira latino-americana convidada a reger a Orquestra Filarmônica de Berlim, uma das maiores do mundo. Ao retornar ao Brasil após concluir seus estudos na Alemanha, passou a ser chamada para reger orquestras pelo país, conforme me contou Ana Claudia Trevisan Rosário, pianista e pesquisadora que investigou a trajetória de Sodré e sugeriu a pauta à Tudo É Gênero.

“Como gaúcha, ela foi a primeira regente e compositora a ter projeção nacional, embora já houvesse outras mulheres compositores no RS, nenhuma alcançou projeção e viveu de sua carreira musical”, destaca. Sodré ocupou a direção da Escola Nacional de Música, do Rio de Janeiro, por mais de 20 anos, entre outros postos de liderança, como o de reitora da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“Imaginemos, nas primeiras décadas do século XX, a dificuldade para uma mulher destacar-se em cargos de liderança! Saliento: para uma mulher, com uma tonalidade mais escura de pele, período em que ainda o ‘destino público’ das mulheres era ser professora, enfermeira, entre outros”, ressalta Rosário. Segundo a pesquisadora, Sodré foi uma das primeiras reitoras mulheres do Brasil – talvez a primeira, fato que a pesquisadora gaúcha ainda busca confirmar.
Agora me digam: vocês já tinham ouvido falar em Joanídia Sodré? Eu não.
Como tantas outras mulheres que se destacaram em suas atividades, ela teve sua história apagada. Mas recentemente, Sodré ganhou uma homenagem em Porto Alegre, por iniciativa de Rosário: uma rótula com seu nome. Fica no cruzamento das avenidas Otto Niemeyer e Wenceslau Escobar, na Tristeza, bairro da zona sul. A lei determinando a denominação é de junho de 2024.
Rosário fez a sugestão à Câmara Municipal porque, em suas investigações, nunca encontrou homenagem à Sodré no Rio Grande do Sul, apenas no Rio de Janeiro. “Insisti por quase um ano para tal”, conta.
Se essa rua fosse minha

É mais um feito histórico da maestrina. Nomes femininos são minoria nas ruas e avenidas do Brasil. Na capital gaúcha, segundo uma publicação de 2007 da Câmara Municipal, único levantamento do tipo que encontrei, dos 9.453 logradouros públicos da cidade à época, apenas 379 levavam nomes de mulheres, ou seja, 4%. Em São Paulo, um mapeamento de 2019 revela um índice um pouco melhor, mas que ainda ilustra uma desproporção grande: 16%.
Existe até um Projeto de Lei tramitando no Senado que determina um mínimo de 30% para mulheres ou para homens na denominação de bens públicos como ruas, praças e monumentos. O PL 4.176/2021 é da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) e já passou pela Comissão de Educação, em 2023. Na reunião, a senadora Ivete da Silveira (MDB-SC), que deu parecer favorável à proposta, deu o placar nacional: “Dados do IBGE do ano de 2019 revelam que a cada 100 logradouros públicos, 47 levam nomes masculinos, 42 possuem nomes neutros (como datas e árvores) e apenas 11 têm nomes femininos”.
Porto Alegre, com o dado de 2007, está abaixo da média nacional. Zero surpresa para uma cidade que insiste em homenagear ditador. Depois de quatro anos sob o nome de Avenida da Legalidade e Democracia, uma das principais vias de acesso à capital voltou a se chamar Castelo Branco. É possível que o debate volte à tona: em julho deste ano, o vereador Pedro Ruas (PSOL) protocolou um novo projeto para retornar ao nome anterior, baseado na recomendação do Ministério Público Federal para que sejam trocados os nomes de ruas, logradouros e prédios que homenageiem “perpetradores de graves violações aos direitos humanos”.
A propósito: existe uma mobilização em São Paulo para que feminicidas não deem nome a vias e outros espaços públicos na cidade. A campanha “Feminicida não é herói” quer a aprovação do PL 483/2025 para retirar das placas da capital paulista os nomes de autores de feminicídios.
Com certeza não vai faltar nomes de mulheres que mereçam ocupar esses espaços.
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