
Resistência francesa à aposentadoria tardia
O governo do presidente Emmanuel Macron vive uma pressão muito grande para anular a lei que aumentou a idade mínima para a aposentadoria. No momento, numa primeira vitória da população e dos seus sindicatos, a lei está suspensa, o que, segundo estimativas, acarretará uma despesa de 2 bilhões de euros por ano. Os franceses querem continuar aposentando-se aos 62 anos (homens). O escalonamento até 64 anos a ser atingido em 2030 não desce nem com vinho tinto.
O problema, dizem especialistas, é que os franceses estão vivendo cada vez mais: em torno de 84 anos. Essa longevidade quebraria a previdência. A resposta a isso é direta: “Não nascemos só para trabalhar, queremos viver”. Ou, outra versão: “O país é rico e precisa distribuir melhor a sua riqueza para que as pessoas possam viver”.
Se os vizinhos já trabalham mais tempo até se aposentar, a reação francesa é categórica: isso é uma imposição do neoliberalismo que domina a União Europeia. Slogan: “Não à Europa neoliberal”.
Por causa disso e de outros aspectos caros ao Estado do Bem-Estar Social, a França virou a nova Itália: troca, como a Itália de certa época, de primeiro-ministro todo o tempo. Para cumprir o seu mandato até o fim, Macron precisou ceder sobre a suspensão dessa lei capital para os franceses. A pressão vai continuar pela sua derrogação. No Brasil, onde se vive menos, a reforma da previdência passou sem grande resistência e já se fala em novas mudanças das regras. A ideia é sempre a mesma: fazer trabalhar mais tempo.
Interessante na cultura francesa é essa capacidade de resistência que faz lembrar as histórias de Asterix em luta contra o invasor romano, assim como uma aguda falta de constrangimento em defender certas conquistas sociais que, entre nós, seriam facilmente demolidas pela mídia como privilégios ou “mamatas”. O Estado na França não é um condomínio exclusivo dos donos do capital, ainda que Macron seja chamado de presidente dos ricos e carregue o fardo de uma alta impopularidade. Busca-se o que se chama de um Estado para todos.
Outro problema da França é a aprovação do orçamento anual. Como não avança no parlamento, segue a golpe de decretos. Entre cortar no social e fazer ajuste fiscal, a França escolhe andar na contramão. Ainda não se desistiu da utopia do interesse público nem se abandonou totalmente a ideia de igualdade, liberdade e fraternidade. Teme-se a chegada ao poder, em 2027, da extrema direita de Marine Le Pen. Espera-se, contudo, que esquerda e direita democrática se unam contra os extremos, o esquerdista França Insubmissa de Jean-Luc Mélanchon e o lastimável Reunião Nacional, de Le Pen e Jordan Bardella.
Perguntas pipocam: o que quer a França? Para onde vai a França? Até quando a França vai resistir? As respostas variam, mas coincidem numa espécie orgulho, a satisfação de não andar nos trilhos da globalização, ao menos, para ser cauteloso, até certo ponto, o ponto em que o muito parecido com o resto ganha alguma nuança e singularidade. Nesta quarta-feira os deputados decidirão o que fazer com as aposentadorias.