Quem circula à noite pelas imediações do Campus Central da UFRGS já pode ter visto uma cena que ocorre todo semestre: uma multidão, formada por centenas de jovens, percorre a região e preenche as ruas do Centro Histórico, despertando a curiosidade de quem está ao redor. Para onde vão? Uma festa? Um ato político? As duas coisas?
Organizado pelo Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura da UFRGS (DAFA), o Bar em Bar convida estudantes e o público em geral a ocupar o espaço urbano de forma coletiva, em um percurso que transforma o simples ato de sair para beber em uma experiência de encontro também com a cidade. Uma nova edição da caminhada ocorre nesta quinta-feira (13/11), a partir das 20h, com início em frente à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS (FAU).
Inspirado em um evento criado nos anos 1990 pelo Encontro Nacional de Estudantes de Arquitetura (ENEA), o Bar em Bar é realizado desde 2017 pelo DAFA e outras universidades federais para valorizar locais públicos e pontos turísticos que não costumam ser frequentados à noite. A iniciativa também busca fortalecer o sentimento de pertencimento, valorizar a convivência e tornar as ruas mais seguras e vivas.
Um dos coordenadores do DAFA, organizador do Bar em Bar e estudante da FAU, Leandersom Barcellos explica que o objetivo é “conhecer a rua à noite, saber que ela te pertence também”. Ecoando ideias da ativista Jane Jacobs, autora de Morte e Vida nas Grandes Cidades, Barcellos destaca que a segurança nas ruas, para além do policiamento, depende da circulação de pessoas.
Ao incentivar que a população esteja presente em áreas antes esvaziadas, o encontro contribui para tornar a cidade mais viva e acolhedora: “O simples ato de estar na rua é um gesto de pertencimento e resistência. O que pode ser melhor para ter pessoas na rua do que um evento de rua?”.
Entre 2012 e 2019, a iniciativa Serenata Iluminada ocupou a Redenção com a proposta de ampliar os horários de uso do parque e cobrar iluminação e segurança nos espaços públicos.
Para Clarice Misoczky, professora do Departamento de Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR) da FAU, iniciativas como o Bar em Bar mostram como o espaço urbano é também um território simbólico feito de relações, não apenas de construções.
“Os estudantes da Arquitetura tradicionalmente organizam momentos de festa. Entendo que isso surge tanto da necessidade de um momento de encontro quanto de um entendimento de que é, sim, uma forma de viver o urbano”, comenta Misoczky, lembrando que, quando era estudante na instituição, as festas eram realizadas dentro da universidade, até serem proibidas e levadas pelos estudantes para as ruas.
“O [Henri] Lefebvre, autor de Direito à Cidade, fala que o direito à cidade também é o direito à festa. Isso está diretamente relacionado ao uso e à apropriação do ambiente pelas pessoas. Existe uma dimensão totalmente burocrática de como o espaço deve ser utilizado. É importante o respeito ao outro, pois o espaço público é de todo mundo, mas esse direito à expressão também é importante”, acrescenta.
Em sua obra, o filósofo francês citado pela professora defende que a vivência urbana vai muito além do uso funcional e envolve o direito à expressão e à apropriação simbólica e coletiva de espaços públicos. Ocupar as ruas é também um gesto político e cultural, uma forma de reivindicação do lugar de convivência e expressão social.
Na visão de Barcellos, o Bar em Bar resiste às pressões políticas de afastar os eventos de rua. “Faz algum tempo, por algumas gestões da prefeitura, principalmente desde a entrada do Melo, que há esse movimento de proibirem festas de rua e as deslocarem para o 4º Distrito, longe do Centro. Queremos ir contra isso, temos esse direito de conhecer a rua onde quisermos e quando quisermos, claro, respeitando certos limites de horário”, comenta o estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS.
“Porto Alegre já foi uma das cidades mais vivas do país, e agora está morrendo, virando uma cidade que não é povoada. O Bar em Bar tem essa questão política, é uma manifestação na festa”, completa
Respeito ao espaço público
A edição do evento marcada para o primeiro semestre de 2025 foi cancelada após denúncia, recebida pelo Ministério Público Federal e comunicada aos organizadores, de “possíveis atos de vandalismo, incluindo a depredação de patrimônio e o acúmulo de lixo na Praça da Matriz”, local que já foi ocupado por multidões do Bar em Bar nos anos anteriores.
Em nota publicada em abril, os organizadores defenderam “o respeito ao espaço público, à cidade e à comunidade” e afirmaram que as comunicações do evento passariam a conter “orientações claras, reforçando que não incentivamos comportamentos que coloquem em risco o patrimônio público e também o bem-estar do público do evento”. Também foi decidido que a Praça da Matriz sairia do itinerário, que é divulgado apenas no dia do evento.

“A grande concentração de pessoas em um ponto tão central, com prédios como o Palácio Farroupilha, o Palácio da Justiça e a Catedral, causou incômodo e entendemos isso. Como arquitetos e urbanistas, sabemos a importância do patrimônio. Não depredamos, mas sabemos que a estátua custou milhões para ser reformada, e correr risco de quebrar é perigoso”, afirma Barcellos.
“O ponto principal agora são outras praças e ruas do Centro, para continuar mostrando que o espaço público é de todos”, completa.
A adaptação do percurso e as orientações aos participantes reforçam a ideia central de transformar a cidade em um território de convivência, encontro e expressão coletiva, sem abrir mão do cuidado e da segurança. Mesmo sem a Praça da Matriz, o Bar em Bar mantém sua função política e social, lembrando que Porto Alegre pode e deve ser vivida, apreciada e celebrada por seus cidadãos.
Quando: 13 de novembro, a partir das 20h
Onde: Inicia em frente à Faculdade de Arquitetura da UFRGS (R. Sarmento Leite, 320 - Centro Histórico)
Gratuito