Miguel da Costa Franco lança seu quinto livro, o segundo de contos. Nesta quinta-feira, às 14h, ele estará ao lado de outros autores da editora Gog na Sala dos Jacarandás, no Clube do Comércio (Andradas, 1085 - 2°andar). Na sequência, às 16h, ele autografa Mentiras, verdades e outras falsidades.
Nesta conversa com o editor da Parêntese Luis Augusto Fischer, o escritor divide um pouco do seu processo criativo e o que aprendeu entre um lançamento e outro. A Matinal vai publicar os conteúdos ao longo do evento, até 16 de novembro. Leia aqui todas as entrevistas, e acompanhe as demais atividades da Feira.
Luís Augusto Fischer – Este é teu quinto livro, é isso? Já dá pra se considerar experiente, certo? Como é a sensação de lançar o novo livro, comparando com os momentos de lançamento dos livros anteriores?
Miguel da Costa Franco – É o meu quinto livro, o segundo de contos. Não sei se posso já me considerar experiente, porque cada texto novo é sempre um recomeço, e por vezes cometo erros primários, por pressa, perda do foco ou, ainda, inexperiência. Se algo aprendi ao longo desta trajetória, é que a reescrita é muito mais importante do que a escrita em si. Reescrevo muitas vezes, acordo à noite com palavras querendo se intrometer na história, corto trechos que não contribuem. É preciso um certo desapego, que vem, em parte, sim, da experiência maior. Quando mais jovem, achava que reescrever demais era perder a emoção do momento. Como se escrever fosse alguma espécie de transe. Hoje percebo que isso era uma coisa meio egoísta. Fazer o leitor emocionar-se também é tão ou mais importante quanto, e para isso os ajustes são fundamentais.
Lançar um livro novo é sempre uma alegria, um deleite. Por óbvio, o lançamento do primeiro livro, o romance Imóveis Paredes (Libretos editora), enfeixou um conjunto de emoções mais amplo. Me transportou para um universo de satisfação de desejos antigos e algo de vitória pessoal. Não Romance, o segundo, pela Editora Metamorfose, foi uma espécie de certificação de que seguiria nesta trajetória. A filha do Dilúvio (Libretos editora) foi lançado on line, em meio às incertezas da pandemia, e a novela Os heróis do Parque Borowski (Boaventura editora) ainda sofreu com a ressaca pós-pandêmica, em que o espaço público era ainda um ambiente inóspito para todos nós. No quinto livro, me senti mais a cavaleiro das minhas emoções, sabendo o que me espera e as limitações desse sonho, num mercado editorial difícil, que não atende bem ao autor. Meu instinto fez com que o lançamento fosse mais uma celebração, uma festa de confraternização, do que uma simples sessão de autógrafos. Deu certo, foi meu lançamento mais concorrido e gratificante. Lentamente, percebo que, apesar das dificuldades de distribuição, furei a bolha dos amigos, familiares e conhecidos e alcancei leitores de fora do meu círculo. E isso é muito bom.

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Fischer – Este livro reúne contos novos. Há neles alguma(s) temática(s) dominante? Seriam assuntos recorrentes na tua trajetória editorial?
Costa Franco – Ao contrário da coletânea anterior – Não Romance –, em que as minhas escolhas foram mais determinantes, em Mentiras, verdades e outras falsidades a seleção de contos foi bastante influenciada pelos meus editores André Roca e Alexandre Schossler, da Gog, que provocaram essa publicação e são muito ciosos de seu projeto editorial. Eles tiveram a trabalhosa missão de escolher 28 contos dentre quase 50 que lhes ofereci. Embora não haja uma temática dominante, dá para dizer, sim, que são temas meio recorrentes nas minhas publicações. Transitam do mais íntimo até o social. São criações com base na realidade, na memória ou na mais pura viagem, reflexões sobre o vivido ou não, o desejado ou o temido. Sempre com a liberdade que a ficção nos permite de gerar distorções convenientes, fazer releituras de fatos vividos, misturar fantasia com realidade, intercambiar personagens, dar aparência de verdade ao que é pura criação fantasiosa ou apenas mentir desbragadamente. Esta é a razão do título escolhido, por sinal.
Adoro essa liberdade que a ficção nos dá, embora exija também um tanto de coragem. São histórias que viajam do Guaíba até a pampa, pelo Brasil e pelo exterior, da cama à favela, da colônia à praia, da igreja à prisão. Temporalmente, a seleção é mais uniforme do que a coletânea anterior, pois reúne textos escritos entre os anos de 2018 e 2025, fase meio turbulenta das nossas vidas, que conviveu com furacões, enchentes, pandemia, governos desastrosos no âmbito municipal, estadual e, sobretudo, federal e uma tentativa de golpe de Estado. O processo de edição terminou por agrupar os contos em três blocos: um primeiro, de cunho mais erótico, amoroso ou sensual, um segundo, mais familiar e memorialístico, e um terceiro, com temáticas mais sociais e reflexões que a vida e o cotidiano me impuseram.
Fischer – Como tem sido o encontro com leitores, dos teus livros em geral? Que coisas um escritor aprende ao ver ao vivo alguém que foi de algum modo movido pela leitura da tua imaginação?
Costa Franco – Percebi que a partir da publicação do romance A filha do Dilúvio, meu terceiro livro, rompi a bolha das relações mais próximas, sempre mais elogiosas e condescendentes. O livro foi bem aceito, deve esgotar a segunda leva agora na Feira do Livro, e espero que seja objeto de outra impressão. Esse romance, especialmente, me proporcionou participar de inúmeros debates com grupos de leitores até então desconhecidos e me ensinou muitas coisas. A mais importante é que cada personagem deve merecer de nós uma dedicação exclusiva, pois, para cada leitor há focos diferentes na leitura, a depender de sua condição pessoal.
É preciso haver uma boa dose de responsabilidade na sua construção porque leitores se espelham num ou noutro, cobram pelas trajetórias menos auspiciosas, identificam-se aqui e ali e, por vezes, se cobrem das inquietudes que o texto provoca. Fui percebendo a importância de escrever de uma forma cada vez mais simples, acessível e comunicativa. Ao mesmo tempo, é muito gratificante perceber o poder de impacto da literatura e o quanto a ficção pode abrir caminhos para uma percepção mais completa da realidade. Para chegarmos à verdade dos humanos, sempre cheia de contradições e paradoxos.
É pena que haja tão pouco investimento na educação e nas bibliotecas públicas para que aconteça a imprescindível ampliação do público-leitor. As experiências com A filha do Dilúvio impactaram bastante a minha escrita. Imagino que o leitor vai encontrar em Mentiras, verdades e outras falsidades – assim espero – personagens cada vez mais consistentes e complexos e uma leitura agradável e fluente.
