Não é incomum um filme precedido de muitos debates e premiações frustrar as expectativas quando enfim entra em cartaz. O Agente Secreto (2025), porém, não faz parte desse famigerado time, felizmente. Vencedor dos prêmios de melhor direção (Kleber Mendonça Filho) e atuação masculina (Wagner Moura) no Festival de Cannes, o longa indicado pelo Brasil para disputar uma vaga no Oscar na categoria de produção internacional é intrigante, inteligente, divertido e, como anuncia o pôster, cheio de "pirraça".
Como é característico nos filmes dirigidos por Kleber Mendonça Filho, O Agente Secreto flerta com vários gêneros cinematográficos. O próprio título é escorregadio e não indica exatamente do que a obra trata – um despistamento jocoso semelhante ao que o realizador utilizou em Aquarius (2016), anunciado no começo de sua produção como a história de uma mulher que viajava no tempo, e Bacurau (2019), cuja divulgação prévia insinuava tratar-se de uma ficção científica.
O Agente Secreto se passa no Brasil de 1977 e acompanha Marcelo (Wagner Moura), um professor especializado em tecnologia que sai de São Paulo para Recife. As razões que provocaram a viagem são a princípio obscuras, mas aos poucos a trama vai lançando luz nos conflitos e episódios violentos do passado do protagonista.

Marcelo chega na capital pernambucana na semana do Carnaval, encontrando abrigo em uma espécie de condomínio de refugiados – cujas histórias pessoais são igualmente misteriosas. Misturando-se ao clima de festa, o ambiente de repressão policial e institucional, explícito e sub-reptício, engolfa todos – colocando especialmente em risco a vida do personagem principal.
Não se pode avançar muito na descrição de O Agente Secreto sem revelar surpresas do enredo. Da mesma forma que em seus títulos anteriores, KMF propõe várias subtramas, apresenta dezenas de personagens, trafega do suspense noir à denúncia política, passando pela comédia e até pelo horror trash – recriando uma bizarra lenda urbana recifense sobre uma perna cabeluda quicante que aterroriza a noite da cidade chutando as pessoas nas praças.
Entre as muitas qualidades de O Agente Secreto está a primorosa reconstituição de época, reproduzindo com detalhismo até fetichista cenários, veículos, objetos e figurinos que evocam o Brasil e especialmente o Recife de meados da década de 1970. As abundantes citações cinematográficas nostálgicas também seduzem o espectador, com cenas de filmes como Tubarão (1975) e A Profecia (1976) e a utilização como locação do Cinema São Luiz – bela e icônica sala de exibição no centro recifense recentemente reformada.
Além de Wagner Moura, talvez em seu melhor papel no cinema, o filme conta com várias atuações memoráveis, particularmente de atores pouco conhecidos do público, como Tânia Maria, que interpreta a senhoria da comunidade que acolhe Marcelo, e Robério Diógenes, encarnando um impagável delegado insidioso e corrupto.
Se O Agente Secreto às vezes parece excessivo e mesmo derivativo com tantas ideias, gêneros, referências e ritmos narrativos – uma opção pelo exagero certamente consciente da realização –, é inegável que Kleber Mendonça Filho orquestrou um tour de force de alta qualidade cinematográfica, que prende a atenção do espectador por quase duas horas e 40 minutos propondo uma reflexão sobre a memória do autoritarismo e da desigualdade social do país, que repercute ainda nos dias de hoje.

O Agente Secreto: * * * * *
COTAÇÕES
* * * * * ótimo * * * * muito bom * * * bom * * regular * ruim
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