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O marido da diplomata

Keri Russell estrela "A Diplomata", série da Netflix em terceira temporada

O marido da diplomata

Como vocês sabem, foi lançada em outubro a terceira temporada da série A Diplomata, com a lindinha Keri Russell e seus cabelos esvoaçantes no papel de, adivinhem! Sim, uma diplomata! Não sei como adivinharam, mas vamos em frente.

Keri Russell participou de uma das mais interessantes séries dos últimos tempos, The Americans, em que ela fazia o papel de uma espiã russa infiltrada nos Estados Unidos quando jovem, podendo assim passar por uma americana comum. The Americans é uma beleza, e se passa na Guerra Fria dos anos 1980, sendo uma janela para uma época na qual a gente ainda usava pagers pra encontrar as pessoas, lembram? Vejam.

Pois ela voltou há duas temporadas no papel de Kate Wyler, uma funcionária do Departamento de Estado americano – o equivalente ao nosso Itamaraty –, mas com orçamento, influência e amplitude globais.

A série original da Netflix vive de alguns elementos, sendo o mais intenso deles a relação tempestuosa entre Kate e o seu marido Hal Wyler (Rufus Sewell), um sujeito que transita nos mais altos níveis da diplomacia oficial e informal do governo americano. O que acontece quando uma mulher obviamente capaz e competente precisa competir com o próprio marido – também poderoso – no território onde ambos trafegam?

O protagonismo feminino é algo ainda relativamente recente, e o mundo tenta lidar com esse fenômeno há décadas, especialmente depois da II Guerra Mundial, quando as mulheres finalmente ocuparam espaços nas áreas de produção, passaram a sentir o doce sabor do salário próprio e nunca mais quiseram saber de depender de forma tão direta dos mandos e desmandos masculinos do passado.

No entanto, não me parece que as sociedades industriais e ocidentais, ou aquelas em que ao menos as leis estabelecem a igualdade para todos, tenham chegado ao ponto de resolver os inevitáveis conflitos que surgem quando homem e mulher disputam os mesmos espaços, especialmente homens e mulheres que, por algum acaso, também são marido e mulher.

Eu acho esquisito que a série pareça não perceber que mesmo uma mulher com o poder de fogo e personalidade própria como Kate tenha aceitado assumir o sobrenome do marido – a não ser que ela fosse a Wyler de antes do casamento. Os americanos parecem seguir mais esse costume medieval de a mulher abandonar o próprio nome, assumir apenas o do marido – filhos idem. Kate Wyler é a esposa de Hal Wyler, ao final das contas.

Mas esse casamento, que já não parecia dos mais convencionais apesar dessa caretice na troca de nome, agora parece entrar em uma crise mais definitiva, no momento em que Kate e Hal são considerados para o segundo mais alto cargo nos Estados Unidos, o de vice-presidente da República, hoje ocupado e deteriorado pelo ridículo J. D. Vance.

A trama da terceira temporada anda por esse caminho, com a posse da primeira mulher presidente dos Estados Unidos, e a escolha que ela precisa fazer para ter um vice que não a atropele, tendo o casal Wyler como duas alternativas para um só cargo.

A disputa pelo poder, as escolhas que o poder nos impõe, as delícias de se saber o que os humanos comuns nem imaginam, as extravagâncias dos realmente poderosos, tudo isso faz parte do mix que sustenta A Diplomata. O enfrentamento de crises reais ou imaginadas no cenário internacional, os conflitos inevitáveis entre países e pessoas que perseguem os seus objetivos estratégicos, o equilíbrio de ser mulher e embaixadora de uma potência global no reino do Charles, tudo isso forma a tapeçaria da série.

E, sem entrar no maravilhoso mundo dos spoilers, a terceira temporada de A Diplomata traz dois dos personagens mais adorados pelos apreciadores da clássica série de política americana, The West Wing, do início dos anos 2000: os assistentes do presidente ficcional Jeb Bartlett, Josh Lyman e C. G. Craig (na pele dos atores Bradley Whitford e Allison Janney). Agora convertidos na acidental presidente Grade Penn e seu marido Todd. Esses dois queridinhos da América (da América progressista, na verdade) vão adornar A Diplomata e enriquecer a temporada. Curtam.

Os Estados Unidos podem ser um país surpreendentemente primário para quem é o maior império global desde que os romanos desistiram do posto. Representar o país e seus interesses é tarefa pra gente preparada para tudo, do melhor e do pior que a vida oferece.

A Diplomata nos oferece uma ideia do que seja tudo isso, e assistir à série é algo que se faz com uma certa facilidade.

Portanto, vejam.

 

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