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Brasil para estrangeiros

Brasil para estrangeiros
Pierre Lévy na PUCRS | Foto: Giordano Toldo

Tenho passado esta semana ciceroneando meu velho amigo Pierre Lévy, convidado da PUCRS para três acontecimentos: a gravação de um curso do PUCRS Online sobre neuromarketing, uma conferência para mestrados e doutorandos da universidade sobre humanismo e inteligência artificial e uma palestra de encerramento em evento organizado por Cristiano Max Pinheiro, coordenador do nosso Programa de Pós-Graduação em Comunicação, no Tecnopuc, sobre a inteligência humana e os segredos da inteligência artificial. Temos conversado muito sobre o Brasil.

Levy nasceu na Tunísia. A família mudou-se para a França quando judeus passaram a ser acossados em países muçulmanos. Ele vive em Montréal, no Canadá, onde se aposentou como professor universitário, grande especialista em cibercultura, tendo sido um dos pioneiros nos estudos dos imaginários da internet. Tornou-se muito conhecido com suas reflexões sobre inteligência coletiva. Na última década, dedicou-se à construção da IEML, uma linguagem de interface homem/máquina. A mortandade no Rio de Janeiro impactou Pierre Lévy, que quis detalhes, interpretações, conhecer a opinião de especialistas, entender o país.

Como explicar a um estrangeiro que o Brasil melhorou seus indicadores macroeconômicos, que o desemprego é o mais baixo da série histórica mensurada, mas tem territórios controlados por máfias e polícia que mata mais de 120 pessoas numa operação muito parecida como uma emboscada para execução de criminosos sem julgamento pelo judiciário? O Brasil continua sendo um paradoxo, um feixe de contradições, o país dos contrastes percebido por Roger Bastide em livro publicado em 1957. Não cabemos nas métricas cartesianas. Não entramos nos figurinos da modernidade. Somos, ao mesmo tempo, pré-modernos, modernos e pós-modernos. Até mesmo hipermodernos, tardo-modernos e antimodernos.

Não falo de rótulos por uma libido conceitual, mas de termos que orientam o percurso das sociedades atuais. Favelas e chacinas remetem a uma modernidade mais do que incompleta: fracassada. A mortandade do Rio de Janeiro nos cola na face uma etiqueta: fracassados. Continuamos fracassando na modernização do país, se entendemos por modernização a existência de um Estado de Direito funcional e transparente, que não executa quem quer que seja. Salvo, como nos Estados Unidos, quando existe pena de morte legal, uma aberração antimoderna persistente.

Com o massacre do Rio de Janeiro, o Brasil voltou a oferecer a sua pior imagem para o exterior. Nos últimos tempos, temos caprichado na promoção negativa: tentativa de golpe de Estado, felizmente abortada, conspiração de falsos patriotas no exterior contra a justiça brasileira, corpos sem cabeça numa ação policial que poderia ser batizada de “Operação Degola”. É um retrato cruel e sem malemolência.

Ao final, voltamos ao ponto de partida: para onde vamos? Ainda não conseguimos nos livrar das perguntas retóricas. Só me restou dizer a Pierre Lévy que nós continuamos a crer no futuro. Sempre cremos no futuro quando o presente se apresenta com uma estranha cara de passado. É esse passado que nos assombra como um espectro do pior.

As opiniões emitidas por colunistas não expressam necessariamente a posição editorial da Matinal.
Juremir Machado da Silva

Juremir Machado da Silva

Jornalista, escritor e professor de Comunicação Social na PUCRS, publica semanalmente a Newsletter do Juremir, exclusiva para assinantes dos planos Completo e Comunidade. Contato: juremir@matinal.org

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