A absolvição dos sete réus pelo incêndio no Ninho do Urubu, que matou dez jovens atletas das categorias de base do Flamengo em fevereiro de 2019, é um capítulo grave da história recente do país. Não apenas pelo desfecho jurídico, mas pelo que ele simboliza: a naturalização da impunidade diante da morte de jovens em um contexto de negligência institucional.
A decisão da 36ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que considerou improcedente a ação movida contra dirigentes e responsáveis técnicos, é mais do que uma sentença. É um espelho de como o sistema de justiça brasileiro trata de forma desigual os diferentes extratos sociais. Enquanto os réus têm acesso a defesas sofisticadas e a uma estrutura jurídica capaz de prolongar processos até a exaustão, as famílias das vítimas enfrentam o luto, o abandono e a sensação de que seus filhos foram esquecidos pelo Estado e pela sociedade.
Segundo o inquérito conduzido pela Polícia Civil e relatórios técnicos do Ministério Público, os alojamentos onde os garotos dormiam não tinham alvará, eram feitos com contêineres metálicos adaptados, sem isolamento térmico e com irregularidades na instalação elétrica. O incêndio foi causado por um curto-circuito em aparelhos de ar-condicionado, em um ambiente sem extintores ou rotas de fuga adequadas. Tudo isso está documentado, e mesmo assim, a Justiça entendeu que não havia dolo ou culpa comprovada.
O Flamengo, por sua vez, adotou uma postura essencialmente defensiva desde o início do processo. Concentrou seus esforços em negociações financeiras e em blindar sua imagem institucional, ao mesmo tempo em que manteve intacto o discurso de que a tragédia foi um “acidente”. Mas um acidente pressupõe inevitabilidade e nada no caso do Ninho do Urubu foi inevitável. O clube sabia das irregularidades, foi alertado, e ainda assim permitiu que menores de idade dormissem em instalações inadequadas, em troca da redução de custos.
Uma decisão que envergonha o Brasil.