Reuni em livro, Face a face: jornalismo de opinião em tempos de bolsonarismo (Sulina), com lançamento em 1º de novembro, às 15 horas, na Feira do Livro de Porto Alegre, textos que escrevi entre 2018 e 2022, da ascensão ao ápice do bolsonarismo. São textos que não passaram no crivo da alta direção do jornal onde eu escrevia diariamente ou que nem me atrevi a enviar quando já tentava salvar a trincheira e diminuir a tensão cotidiana instalada com Jair Bolsonaro no poder.
Cada vez que um texto caía ou que me parecia inútil enviá-lo para publicação, eu o destinava a uma seção no Facebook: Face a Face.
Pensei em intitular meu livro Censurados. Para ser exato teria de ser “censurados, antocensurados e outros”. Podia ser um pedaço que ficava pelo caminho, uma frase, uma ideia. Eu tinha sempre um texto de reposição pendurado no e-mail para o caso de uma emergência. Uma crônica suave, uma poesia, uma resenha de livro ou uma reflexão sobre a vida tendiam a resolver a questão sem criar novos conflitos. Que tempos sombrios e tristes! Às vezes, olho para trás e digo que não fui suficientemente hábil para contornar as dificuldades.
O bolsonarismo me tirou do prumo com seu negacionaismo científico e suas baixarias.
Meu livro mostra o que não passava, embora, com frequência, contradições acontecessem. Aquilo que não passava num dia, podia passar em outro. Por fim, a margem de negociação sumiu. A censura, claro, não vinha de jornalistas. A eles dedico meu livro. Tiro o chapéu para quem soube resistir e cumprir sua missão de informar com lucidez, perseverança, ironia e capacidade de resistência. Eu não soube. Fui perdendo a capacidade de aplicar o que o filósofo Jean Baudrillard me ensinara: “Frontal, nunca, transversal, diagonal”.
O governo de Jair Bolsonaro foi o mais desastroso da história do Brasil. Decidi fazer o livro numa tarde em que estava escutando Elis Regina cantar Atrás da porta: “Quando olhaste bem nos olhos meus/E o teu olhar era de adeus, juro que não acreditei…”. Eu, ao contrário, entendi nesse dia que era isso mesmo. Ali, todas as ilusões se esvaeceram, todos os projetos ficaram para trás. A realidade se mostrou inteira. Hoje, eu ouço Edith Piaf: “Non, je ne regrette rien”.
Trecho do livro:
“O bolsonarismo é uma ideologia obscurantista e nefasta que se alimenta de uma velha concepção racista e de novos ressentimentos com a desconstrução dessa visão de mundo por grupos cada vez mais organizados para barrar a perpetuação das infâmias enraiza das na estrutura social ao longo do tempo. O bolsonarismo chama de ideologia de gênero combater nas escolas o preconceito de viés sexual. Sonha com a volta das aulas de Moral e Cívica baseadas num patriotismo conservador e doutrinário por meio do qual se aparelhava a educação para fins de lavagem cerebral de alunos. Propõe a militarização do ensino. Acoberta o racismo insistindo numa de mocracia histórica racial falsa. Confunde autoridade com autorita rismo. Difunde preconceitos hediondos como se fossem verdades históricas, naturais e científicas.”
As opiniões emitidas por colunistas não expressam necessariamente a posição editorial da Matinal.
 
 
 
 
 
 
 
