Sempre esqueço o que sonho. Desta vez, porém, lembro de tudo. Lembro tanto que resolvi compartilhar com meus leitores, mesmo que alguns estranhem o jeito. Foi como se estivesse psicografando uma mensagem.
O homem, pilchado como um gaúcho de cepa, bombacha cinza larga e chapéu preto de barbicacho, apeou do tordilho negro na frente do bolicho do Rubin e foi entrando como se chegasse de volta em casa depois de um ano:
– Buenas e me espalho, nos pequenos dou de plancha e nos grandes dou de talho – gritou, com a sua voz de trovador experiente e despachado.
Ladário, que estava sentado num pelego vermelho, coçou-se como se procurasse alguma coisa na cintura e berrou no mesmo timbre de voz:
– Acho que alguém já disse antes, mas, não tem portância, vamos ao que interessa: pois dê então, vivente. Venha que te espero para uma dança.
O homem, com seu bigode farto e seus olhos negros faiscantes, olhou para Ladário como se tentasse reconhecê-lo ou decifrar a sua mente.
– Vou, então, paisano, que não nego convite para um abraço.
Ato contínuo, jogou o corpo para a frente, com os braços abertos, estendidos, e um grande sorriso no rosto largo, a testa luzindo de suor.
– Que é isso, tchê? – espantou-se Ladário.
O desconhecido oferecia-se para um abraço com a confiança franca de quem alisa o lombo de um potro que já deixou de ser cosquilhoso.
– Dê cá um abraço, paisano, que isso vale mais do que um talho.
Ladário ameaçou tirar a faca, mas se estendeu para receber o outro.
– Pois lhe dou, vivente, claro que deu, pois abraço não se nega, esperando que seja honesto e que sirva para plantar amizade. Mas tem uma condição.
O forasteiro franziu o cenho como se temesse uma tempestade. Em contrapartida, estufou o peito e soltou a sua resposta em tom mais baixo:
– Pois me diga a sua condição, que só pode ser proposta de paz.
– Suspendo a nossa briga se o vivente contar um causo tão bom que nos faça passar o tempo como se ele não existisse. Se o causo for ruim, voltamos ao começo da nossa conversa e aí salve-se quem puder e não serei eu a cair.
O visitante pigarreou, alisou o bigode e percorreu todo o espaço do bolicho com o seu olhar profundamente negro e luminoso. Foi aí que propôs:
– Causo é comigo mesmo. Conto até mais de um se antes, amigo, puder encher o bucho, que contador de causo de barriga vazia não para em pé.
O bolicheiro Rubin, que acompanhava a cena deliciado com um acontecimento na sua venda, antecipou-se na resposta ainda mais generosa:
– Se o causo for bom mesmo, a boia é por conta da casa.
Não demorou muito e o forasteiro já estava atracado com uma paleta de ovelha e meia garrafa de tinto, um Sangue de Boi tirado do garrafão novo. Quando já estava espalitando os dentes, no meio dos quais reluzia um feito de ouro, o homem disse que se chamava Eliseu e que vinha de muito longe. Ajeitou-se no banco de madeira de espaldar reclinado e começou a falar:
– Este causo quem me contou foi o Cabo Vito, que além de saber contar uma história tinha visto e vivido o que me narrou naquela noite em Palomas.
[Continua amanhã]