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Diário da guerra do sono: Capítulo 5 – Tragédia

Parêntese #305

Confira todos os textos da edição #305

Olhos abertos, sem dormir. O desgraçado não me dizia mais nada, só me olhava com aqueles olhos imensos, brancos. Eu disse para o Paes que com ele eu não queria mais falar. Eu não consigo mais dormir por causa desse desgraçado. O Paes não respondeu nada, só entrou na sala e disse deixa comigo, Major Orquídea. Era inacreditável que, desde que eu e o sujeito havíamos nos reconhecido, simplesmente não conseguia mais pregar o olho. O sono não vinha, não vinha o cansaço, eu simplesmente ficava acordado, batendo cabeça pelas paredes de casa. Paredes muito brancas, que mereciam umas pinturas clássicas bonitas, o nascimento de Vênus, talvez. A Lina dormia seu sono leve, despreocupado, a Marisa às vezes se levantava, os olhos inchados e a camisola branca, me olhava por alguns instantes e perguntava Nélson, o que está acontecendo? Por que tu não dorme mais? Numa noite, ela chegou a esquentar um leite quente para mim. Tomei em silêncio, me deitei a seu lado e fingi dormir, mas assim que ela começou a ressonar eu me levantei novamente. 

A madrugada me fazendo sentir tudo de novo. A Marisa chegando para mim e dizendo: tô grávida. Um soco, um choque, um susto naquelas nove letras. Então quer dizer que dá certo mesmo? Caxambu. A gente não sabe é nada, pensei comigo enquanto a abraçava. Eu seria pai, eu merecia ser pai e eu seria pai. A vida era maravilhosa, Deus era justo, a família era a base de tudo. Duas noites sem dormir não significavam nada. Senti o cheiro do cabelo da Marisa, acariciei sua barriga e disse que eu era o homem mais feliz do mundo. Para sempre eu deveria sentir gratidão com o Paes, fazer tudo o que ele pedisse. Afinal de contas, havia sido ele quem, depois de ouvir minha lamentação pelo fato de a Marisa não engravidar, me deu o endereço de Ipanema, me garantindo que o homem daria um jeito em tudo, eu podia confiar. 

Eu observava a rua por trás da cortina. Tudo parecia como aquelas duas noites em que não dormi, depois de visitar o homem em Ipanema. No telhado da casa da frente um gato preto passeava, cheio de soberba. Os postes acesos, não dava para ver nenhuma estrela, o gato seguia seu caminho, passo por passo, se equilibrando sobre as telhas, enquanto isso a Marisa e a Lina dormiam, o desgraçado havia me reconhecido, era o mesmo homem que havia dado algum jeito, mexido em algum segredo para que a Marisa engravidasse, e agora eu estava ali, sem conseguir dormir, sem ao menos sentir cansaço, condenado a ficar acordado por não sabia quanto tempo.