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Quanto pesa uma pena?

Parêntese #305

Confira todos os textos da edição #305

Quarta-feira, 05 de novembro de 2025. No palco do Teatro Oficina Olga Reverbel, ao som de “Ciranda da bailarina”, de Edu Lobo e Chico Buarque, uma mulher de meia idade, com o braço esquerdo visivelmente paralisado, está sentada em uma cadeira, segurando um cajado com a mão direita. O público entra, se acomoda, conversa. E ela lá, sentada, sem parecer se importar. Sem mesmo parecer perceber aqueles que chegam, alheia ao que acontece à sua volta. A mulher é Silvia Wolff, bailarina de técnica clássica que, no auge de sua carreira internacional, aos 34 anos , sofreu um acidente vascular cerebral (AVC); o braço paralisado é parte da paralisia que comprometeu todo o lado esquerdo do corpo da bailarina; o cajado é a bengala na qual, por muito tempo, Silvia se apoiou; a música é o questionamento irônico do que é ser uma bailarina, comumente imaginada com uma criatura perfeita.

“Ciranda da bailarina”, música que ambienta a abertura do espetáculo, traz o questionamento da representação da figura da bailarina romântica de técnica clássica como um ser perfeito, até mesmo fantástico. Nela, através de repetidas paráfrases, dizeres ancorados no sentido dominante do que e como pode e deve ser uma bailarina, temos a presença pela ausência da perfeição: “procurando bem todo mundo tem [...], só a bailarina que não tem”. Ou seja, “todo mundo tem” defeitos, todo mundo é imperfeito, “só a bailarina que não tem”, afinal, ela, e só ela, é perfeita. Em contrapartida, no palco, temos um corpo que, contradizendo – ou reforçando – a letra da música – dependendo de como optamos por interpretá-la –, tem defeitos, imperfeições, deficiências. Ainda assim, é uma bailarina. As especificidades da imagem da bailarina da música e da imagem da bailarina no palco intervém na constituição dos sentidos sobre o que/como pode/deve ser uma bailarina, nos convidando a refletir sobre essa figura, sobre a figura em cena e sobre a deficiência.

Por um efeito de evidência, “todo mundo sabe” o que é o que é balé e o que é uma bailarina. “Todo mundo sabe” que uma bailarina é uma mulher jovem, branca, magra, forte, flexível, com os cabelos presos em um coque bem alinhado, vestindo tutu em tons claros – rosa bebê ou branco – e usando sapatilhas de pontas. Por nos acostumarmos a pensar a imagem da bailarina romântica de técnica clássica como a única possível, ignoramos que ela possa ser uma mulher transgênero, ou negra, ou gorda, ou velha, ou vestida com cores escuras, ou deficiente, ou, ainda, um homem de tutu e sapatilhas de pontas. Acostumados, acomodados.