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Ninfas na lomba do cemitério

Parêntese #303

Ninfas na lomba do cemitério
Francisco Marhsall e Denizeli Cardoso. Foto: Carlos Gerbase

Encerrou a temporada da interessante, singular, ousada, inovadora, arriscada, estimulante peça A voz da ninfa, apresentado como “um drama histórico em 3 atos, entre os jazigos” do cemitério da Santa Casa de Porto Alegre. Foi a segunda temporada, as duas breves, como tem sido o caso de praticamente todas as montagens de teatro na cidade, faz já bastante tempo. Deveria voltar muitas vezes – mas isso dependeria de algum apoio, que até aqui existiu via Santa Casa mesmo, com leis de incentivo federais. 

Numa descrição mais ou menos fria, dá pra dizer que se trata de uma sequência de pequenas cenas, protagonizadas por um elenco de atrizes, só mulheres, que dão suas falas diante de certos jazigos, escolhidos para formar um percurso por entre alas do cemitério. A plateia se desloca e vai se arranjando nos corredores, sem pisar nos túmulos, naturalmente, e é estimulada por essas falas, que são comentários sobre figuras históricas celebradas nos jazigos diante dos quais a cena transcorre. Além disso, há uma série de dados sensoriais de acompanhamento, iluminação dirigida, trilha sonora e, mais ousado, projeções em certas paredes, tudo isso convergindo nas intervenções das ninfas.  

O percurso vai de túmulos de pessoas menos nítidas, passa por figuras maiúsculas do passado político local (Júlio de Castilhos, o senador Pinheiro Machado e Maurício Cardoso) – objeto da mais enfática crítica das ninfas, que verbalizam acusações de autoritarismo patriarcal contra eles – e alcança duas figuras femininas (a roqueira Lori F e a ativista dos direitos animais Palmira Gobbi), realçadas como pessoas que deram a vida por causas dignas, nobres até. Quer dizer, vai-se da crítica ao patriarcalismo até a saudação ao poder feminino, ou da brutalidade da razão de Estado, impiedosa, até a gentileza da razão sensível, gentil.