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✉️ Peripécias de viagem

Newsletter do Juremir # 191

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Cada meio de transporte com suas vantagens e desvantagens

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Viajar é impreciso

Houve um tempo em que as empresas áreas se destacavam pela elegância. Se um passageiro perdia uma conexão por atraso de um avião, ainda mais entre companhias parceiras, a pessoa era prontamente reacomodada em outro voo. Isso se dava já no desembarque, no chamado check-in de transferência. Esse tempo passou. Agora, nestes tempos líquidos, é cada um por si e o dinheiro por todos. Conto um causo

Aterrissamos às 7h15 em Guarulhos, vindos da França. A conexão, oferecida pelas operadoras na hora da venda, era às 8 horas. Claro que não deu tempo de pegar. Nós e outras pessoas, inclusive um jovem casal de Rio Grande com duas crianças e seis malas, ficamos a pé.

O check-in de transferência nos mandou para a Gol no terceiro andar, que era no segundo, a um quilômetro de corredores de distância. Lá, para alegria do aplicativo que conta passos, nos avisaram que precisávamos de uma carta de autorização da Air France, situada na altura do ponto inicial do percurso. Depois de muita reclamação, a moça, muito gentil e paciente, disse que nos faria o favor de ligar para a Air France nos reacomodar. Fomos realocados num voo da LATAM.

Fizemos parte do percurso de retorno para o despacho. Quando estávamos com as malas na pesagem, o voo foi cancelado. Nos próximos, a LATAM não teria lugar para nós. Estaria superlotada. Passar bem.

Voltamos para a Gol, que recuperou o argumento de que a responsabilidade era da Air France. Resistimos. Novo serviço anunciado como favor. Tudo bem.

Finalmente fomos recolocados num voo da Azul, no Terminal 1, acessível por ônibus gratuito, parecido com um antigo Lami – Belém Velho. Entramos em parceria com o casal de Rio Grande. Recebemos o apoio inesperado de um jovem passageiro para colocar e retirar todas as bagagens no ônibus. Chegamos, enfim, na Azul.

O código que havíamos recebido para embarcar era o mesmo dos nossos amigos de Rio Grande. A moça havia esquecido de nos registrar, Cláudia e eu. Fomos para a loja da Azul, que, de pronto, anunciou que deveríamos voltar ao terminar anterior para falar com o pessoal da Gol. Depois de alguma insistência, a moça ligou para Gol, que remeteu para a Air France, que não atendia. Chegou uma senhora. Havia perdido o seu voo por cinco minutos de atraso. Tinha vindo de ônibus. O trânsito de São Paulo, mesmo num sábado, havia sido implacável com ela. Comprara uma passagem por R$ 460 para visitar a família. A multa para pegar outro voo era de R$ 120. Ela não tinha. No dia seguinte, ela estava disposta a fazer tudo de novo, custaria R$ 3 mil.

Foi embora chorando.

Nossas peripécias continuavam. Tudo em tom contido, neutro, suave, levemente irritado, mas sem explosões. Por fim, a Air France atendeu, aquiesceu e nos autorizou a voltar para Porto Alegre, às 14h20, pela Azul. Um pessoal de Vitória nos pediu contato para criar um grupo de WhatsApp e entrar na justiça. Nessa parte eu já estava dormindo em pé. Quando recebemos os bilhetes para o novo check-in, agradecemos penhorados, como dizia um comprador de ouro velho, à senhorita que havia resolvido o imbróglio. Ela fez um muxoxo de tédio.

Ficará como lembrança a simpatia da família de Rio Grande, vinda do Líbano, que ainda ia pegar ônibus na rodoviária de Porto Alegre, e a disponibilidade daquele rapaz que se prontificou a subir e a descer malas para ajudar um casal com duas crianças e dois idosos, um deles, eu, de cabelos brancos, alquebrado pela viagem em classe econômica (O horror! O horror!), e com um grande livro nas mãos, “Le voyant d’Etampes” (O vidente de Etemps), de Abel Quentin, indicado por meu amigo Bertrand Ricard, o mesmo que um dia me sugeriu Michel Houellebecq, história de um professor de história aposentado que resolve escrever um livro sobre um poeta maldito e esquecido.

Eu tinha pressa em continuar a leitura.

Como digo, adoro ter viajado, gosto cada vez menos de viajar.