
Uma semana com Pierre Lévy
Foi uma semana como eu gosto: muita conversa sobre literatura, filosofia, história, tecnologia e arte em torno de mesas: de conferências, de almoço, de jantar e de bar. Conversas em tom menor, sem alterações nem altercações. Com muito bom humor e cumplicidade.
Conheço o francês Pierre Lévy desde o final dos anos 1990, quando o convidei pela primeira vez a vir a Porto Alegre participar do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS.
Ele se fez um grande nome falando de “inteligência coletiva” e mostrando que o “virtual não se opõe ao real, mas ao atual”. Sociólogo e filósofo, tem andado sempre em linha própria: na contração dos apocalípticos que anunciam o fim dos tempos a cada nova tecnologia.
Pierre Lévy voltou a Porto Alegre na semana passada para palestrar no Conexão-Pós, evento da Pró-Reitoria de Pesquisa da PUCRS, direcionado para mestrandos e doutorandos, sobre humanismo e IA, e no “Tecnopuc Experience”, evento que reuniu 4 mil inscritos. Além de gravar um curso completo sobre neuromarketing para o PUCRS Online.
Ele não acredita que a inteligência artificial vá tomar o lugar da humanidade nem a escravizar. Nem mesmo eliminar o trabalho humano.
Basta desligar a máquina da tomada, ironiza, para que ela se cale e não possa se reconectar sozinha. Para ele, o grande perigo que ameaça a humanidade é outro: uma crise de civilização aparentemente irrefreável que afeta a Europa e não poupará os Estados Unidos.
O perigo vem dos extremos e extremismos ameaçando a democracia, as ideias de convivência, tolerância, empatia, diversidade e diálogo.
Como boa parte dos europeus, inclusive os da esquerda democrática, Lévy lamenta a volta da guerra ao coração da Europa, com a invasão da Ucrânia pela Rússia de Vladimir Putin, e vê no autocrata russo, com seu sonho delirante e óbvio de reconstrução da Grande Rússia, uma poderosa ameaça à paz e ao equilíbrio da Europa.
Os extremismos têm muitas formas de ação e expressão: das intolerâncias religiosas ascendentes aos novos sectarismos e dogmatismos comportamentais, passando pelo negacionismo em relação à ciência. A ignorância avança com a sua empáfia destrutiva crescente.
Falamos muito de Albert Camus, de Jean-Paul Sartre, de Raymond Aron, de Machado de Assis, da história da escravidão, de Inteligência Artificial, de humanismo, tema sobre o qual Lévy trabalha num livro, e de identidade, identitarismo, cultura, ideologia e alegria de viver.
Apaixonado pelo budismo, tema sobre o qual tem uma biblioteca, Pierre Lévy tem buscado a paz de espírito, que também me obceca, na sabedoria que ensina a não se deixar escravizar pelos desejos.
Os sábios antigos, epicuristas e estoicos, já sinalizam que desejar menos é a chave para uma vida feliz ou, ao menos, equilibrada.
Claro que essa filosofia de vida entra em choque com a sociedade de consumo desenfreado, na qual desejar muito é a base do capitalismo.
Se não concordamos em tudo, dividimos nossas pequenas divergências com respeito e curiosidade. Terminamos com bobó de camarão, caldinho de peixe e água mineral. Eu não bebo álcool. Pierre bebe muito pouco. Chegamos à idade do comedimento e da boa conversa.