Pular para o conteúdo

COP30 dá à terra indígena do Lami primeira vitória em 20 anos

Aldeia Pindó Poty, no extremo-sul de Porto Alegre, está entre os territórios tradicionais que tiveram seus limites reconhecidos pelo governo

COP30 dá à terra indígena do Lami primeira vitória em 20 anos
Ministra Sonia Guajajara anuncia avanço na demarcação de terras indígenas, na COP30 | Foto: Leo Otero


Direto de Belém, Pará

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, anunciou nesta segunda (17) a delimitação da Terra Indígena Pindó Poty, território do povo Guarani situado no Lami, no extremo-sul de Porto Alegre. O evento ocorreu durante a 30ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP30.

No ato, a Pindó Poty foi um dos seis territórios indígenas a terem aprovados seus Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação (RCID), uma das etapas iniciais do reconhecimento formal de uma terra indígena. No caso da TI Guarani no extremo-sul de Porto Alegre, era um passo travado há anos: o território está em estudo desde 2006. Somente em 2018, uma portaria da Funai determinou a constituição de um grupo de trabalho para realizar o levantamento, que não havia sido concluído.

“É um momento histórico”, afirmou Juliana Kerexu, coordenadora da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), que estava presente na COP30 para o anúncio da ministra. A principal demanda dos indígenas do sul do país na conferência era o reconhecimento de seus territórios, conforme mostrou a Matinal na semana passada. “A gente tem que comemorar sempre, mas agora é dar outros passos para garantir a demarcação física e a homologação desses territórios”, complementou a liderança.

Além dos RCID, o governo brasileiro anunciou a homologação de quatro Terras Indígenas — etapa derradeira do processo de reconhecimento — e a assinatura de dez portarias declaratórias pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), quando a terra indígena fica a uma canetada de ser formalmente reconhecida. Um destes dez territórios é a TI Sambaqui, no Paraná, também Guarani — o povo teve outros três territórios declarados nesta leva, todos na região do Vale do Ribeira, em São Paulo.

O anúncio reafirmou o compromisso assumido pelo presidente Lula no início deste mês, quando incluiu a demarcação de terras indígenas como um instrumento de política climática.

Guaranis se mobilizaram por Pindó Poty em 2021

O RCID é um documento técnico da Funai, elaborado por um grupo multidisciplinar, que fundamenta a identificação e os limites da área, detalhando dados históricos, antropológicos e geográficos sobre a ocupação tradicional. Há quase 20 anos, os Guarani lutam pela demarcação, enfrentando invasões em seu território.

Em 2021, centenas de lideranças deste povo foram até Pindó Poty em uma mobilização nacional histórica para defender a terra indígena de invasores que estavam acampando na área, conforme contou a Matinal na época.

Em português, Pindó Poty quer dizer Flor do Coqueiro. Levantamentos do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) apontam que a aldeia era o centro de um vasto território ancestral Guarani graças à sua localização estratégica: está situada junto a um pequeno córrego, antes navegável, que deságua no Guaíba. Portanto, permitia acessar pela água comunidades que estão na outra margem do rio, nos municípios de Guaíba, Barra do Ribeiro e Tapes, ao mesmo tempo que, por terra, permitia chegar às comunidades do Cantagalo, Itapuã, Belém Novo e Lomba do Pinheiro. Por isso, ao contrário de outros territórios, a aldeia  nunca teria ficado vazia, de acordo com o Cimi.

O RCID da Pindó Poty aprovado agora informa que o território possui 71,88 hectares, equivalente a duas vezes a Redenção. A TI Aracá-Padauiri, no Amazonas, que também teve seu relatório publicado, teve reconhecidos 3.388 hectares. Por outro lado, os indígenas Apurinã, de Lábrea, também no Amazonas, receberam um RCID de apenas 52 hectares.

Lideranças Indígenas apresentam painel na Zona Verde | Foto: Claudia Bueno

Maior representação indígena não garante voz

Belém vem sendo celebrada como a Conferência do Clima com maior representação indígena da história, com cerca de mil indígenas credenciados para acessar a Zona Azul, área de acesso restrito da ONU. Mas há mais 3,5 mil pessoas na Aldeia COP, um espaço de debates e hospedagem dedicado exclusivamente aos povos originários.

Apesar dos números, os indígenas apontam que pouco conseguem influenciar nos rumos das negociações — mesmo possuindo uma representação oficial no acordo climático, o caucus indígena. 

Para Mara Kaingang, “a participação indígena realmente é muito pequena.” Natural da TI Serrinha, Mara mora em Rio Grande (RS), onde cursou Direito. “A gente até entra em alguns espaços, mas não consegue chegar nos representantes. Como é que a gente vai levar nossas demandas, nossas realidades, se a gente não tem contato diretamente com eles?”, questionou Mara.

Não ter acesso aos representantes prejudica a ação das lideranças, que no caso de Mara, por ser da região Sul, defende a importância dos biomas Pampa e Mata Atlântica, que estão ameaçados. “Queremos que os países enxerguem que esses biomas são essenciais. Nós só vamos conseguir frear as mudanças climáticas quando todos os biomas forem preservados", afirmou.

Segundo Brasilio Priprá, liderança Xokleng de Santa Catarina, natural da Terra Indígena La-klãnõ — em discussão sobre o marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) – o participar da COP possibilita ficar a par das propostas de negociações, mas afirma que esta segue como uma discussão entre governos. Quando perguntado sobre a possibilidade da COP30 influenciar no julgamento em curso no STF, Pripra afirmou que não acredita em avanços significativos. “Quem define as leis é o Congresso Nacional”, assinalou Priprá.

Mesmo com a demarcação de territórios anunciada pelo governo, a visão oficial é de que o foco da Conferência são os acordos para reduzir ou mitigar as mudanças climáticas. Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), afirmou não ser possível resolver todos os problemas locais em um evento global. "Tem que ter o pé no chão do que é o propósito desse evento. Nesse sentido, o governo, junto com o MPI, possibilitou uma preparação aos povos indígenas para que não chegassem esperando resolver questões domésticas, mas sim entender (a COP como) esse processo de avanços, de acordos, propostas e compromissos", afirmou a presidente da Funai.

Para muitas lideranças,  a COP está dando mais visibilidade aos povos tradicionais. Segundo Jonathan Kaingang, natural de Iraí, no Rio Grande do Sul, a estratégia das lideranças é se unir e não é focar apenas na delimitação do seu território . “Estamos representando muitos povos", explica.

Juliana Kerexu defendeu ser preciso mais espaço nas negociações, onde os povos indígenas têm mais dificuldade de serem aceitos. A barreira linguística atrapalha o processo: as negociações são em inglês e não há tradutores. Mesmo assim, Kerexu entende que a prioridade é “entender que o propósito de estar aqui vai muito além das negociações financeiras”. “Estamos aqui principalmente pelo direito de existir.”

Claudia Bueno

Repórter freelancer graduada em Jornalismo e Ciências Sociais pela UFRGS, mestranda em Sustentabilidade na Gestão Ambiental pela UFSCar. Está em Belém (PA) para a cobertura da COP30.

Todos os artigos

Mais em Reportagem

Ver tudo

Mais de Claudia Bueno

Ver tudo