Em meio a atritos internos, Melo substituiu o diretor-presidente da autarquia. Vicente Perrone comandará o Dmae interinamente
A prefeitura de Porto Alegre anunciou a criação de uma nova pasta nesta quinta-feira. A Secretaria Extraordinária de Projetos Especiais será chefiada por Bruno Vanuzzi, até ontem diretor-presidente do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Especialista em concessões públicas, Vanuzzi vinha enfrentando resistências internas na autarquia, conforme noticiado por GZH e confirmado pela Matinal.
O novo secretário viajará ao exterior e só retornará a Porto Alegre dentro de dez dias. Em seu lugar no Dmae, assumirá interinamente Vicente Perrone, que após atuar em outras funções na prefeitura, estava na diretoria-executiva do Dmae.
De acordo com o comunicado da prefeitura, na secretaria de Projetos Especiais, Vanuzzi irá se dedicar “especificamente à aceleração da parceirização do Dmae”, por meio do projeto de concessão parcial dos serviços de saneamento. A proposta chegou à Câmara em maio, porém, mesmo já vencido o prazo mínimo de 90 dias de tramitação, ainda não tem previsão para ir ao plenário. O texto precisa de 18 votos para ser aprovado. Somadas, a base do prefeito Sebastião Melo (MDB) e os independentes da Casa chegam a 23.
No entanto, a proposta não é unanimidade nem mesmo entre os parlamentares que apoiam o governo.
Debate esfriado
A expectativa inicial do governo era votar o texto entre setembro e outubro, o que viabilizaria o edital para o ano que vem. O líder do governo na Câmara, vereador Idenir Cecchim (MDB), disse à Matinal que o encaminhamento para votação será assunto para debate na próxima semana. “Depois das audiências, deveremos iniciar a discussão”, comentou, referindo-se às audiências públicas sobre o texto que ocorrem desde junho nas regiões do Orçamento Participativo. Outro vereador integrante da base de Melo, que pediu para não ser identificado, disse acreditar que o período deve se estender mais. “Não sei se tem clima ainda”, observou.
Presidente da comissão especial sobre o projeto na Casa, o vereador Mauro Pinheiro (PP) não crê que a votação ocorra antes do término dos trabalhos do colegiado, marcado para 22 de setembro, quando um relatório deve ser apresentado. Por ora, na percepção de Pinheiro, pouco se fala a respeito do projeto nos corredores da Câmara: “O debate ainda não está aquecido”, resumiu. Para o parlamentar, a indefinição na presidência do Dmae poderia ser outro fator de atraso da tramitação.
O que também irá atrasar um pouco mais a análise da iniciativa da prefeitura é o projeto substitutivo, assinado pelos vereadores Jonas Reis (PT), Aldacir Oliboni (PT), Roberto Robaina (PSOL), Atena Roveda (PSOL) e Pedro Ruas (PSOL). O texto autoriza a concessão dos serviços do Dmae, mas vai de encontro à proposta do governo ao manter os serviços de captação e tratamento de água e esgotos sob gestão pública, além de criar mecanismos de fiscalização.
De acordo com a presidência da Câmara, o substitutivo ainda vai tramitar por comissões, embora tenha recebido um parecer prévio desfavorável da Procuradoria-Geral da Câmara, por entender que a proposta invade prerrogativas da prefeitura. Depois disso será encaminhado à votação, onde também necessitaria de 18 votos para ser aprovado.
Vanuzzi projetou início da concessão para 2027
Apesar da convicção da prefeitura pela “parceirização”, o projeto nunca chegou a ser uma unanimidade entre os apoiadores de Melo na Câmara, até pelo receio de ser comparado a uma privatização – os defensores mais convictos enfatizam que se trata de uma concessão e não uma venda a um ente privado. Na legislatura passada, houve um movimento para que o texto sequer passasse pela Casa. O entendimento jurídico que embasava a posição foi semelhante na prefeitura, porém o executivo optou por dividir o peso político da concessão, cujo modelo só foi definido no início do ano – chegou-se a estudar a proposição de ceder todos os serviços do Dmae.
“A legislação permite que concessões na área de saneamento sejam realizadas sem autorização legislativa, é a única exceção expressa na lei federal. Dito isso, o prefeito optou por dividir esse tema com a Câmara de Vereadores como uma forma de ampliar o debate, tornar o processo mais democrático, mais transparente e engajar um pouco mais a situação”, argumentou, em agosto, o diretor-presidente do Dmae, Bruno Vanuzzi, antes de sua participação no evento Menu Poa.
No evento, ele fez forte defesa do projeto, colocando-o como uma questão necessária para justiça social, ao pontuar que o problema de saneamento afeta principalmente regiões periféricas de Porto Alegre. Além disso, para Vanuzzi, a proposta visa a atender às metas estabelecidas pelo Marco Nacional do Saneamento Básico, que estabelecem tratamento de esgoto sanitário para 90% da população e universalização do acesso à água potável. Segundo o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico, Porto Alegre coleta 63,77% do esgoto. Desse total, 86,91% é destinado para tratamento. Ou seja, na relação entre a coleta e o consumo da cidade, o percentual tratado é de 55,4%.
Falando a um público formado por empresários, Vanuzzi projetou a aprovação do projeto e estimou o lançamento do edital para “meados de 2026”, a licitação para o segundo semestre do ano que vem e o início do trabalho do eventual concessionário em 2027. Conforme ele, apesar do tempo escasso até o prazo estabelecido pelo Marco Legal do Saneamento, seria possível alcançar os 90% de tratamento de esgoto.
Última audiência pública será no bairro Partenon
Na próxima terça haverá a última audiência pública para debater a proposta, no bairro Partenon. Em agosto, a Matinal mostrou que as sessões, que ocorreram nas 17 regiões do Orçamento Participativo não mobilizaram grandes contingentes. Nos eventos, representantes do governo fazem a defesa do projeto, enquanto integrantes do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) argumentam contra a concessão.
A sessão mais recente, realizada na Lomba do Pinheiro, no dia 28 de agosto, terminou com gritos contrários à concessão.
Além dos dois projetos em tramitação, das audiências públicas e da comissão especial, o Dmae também é objeto de uma CPI, que investiga o que a oposição considera um desmonte realizado na autarquia ao longo dos últimos anos, algo que já havia sido tema de reportagem da Matinal em 2020, ainda durante a gestão Nelson Marchezan Júnior (PSDB).
E-mail: tiago@matinal.org