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Companhia de Ópera do RS busca as paisagens perdidas de Jayme Caetano Braun

Companhia de Ópera do RS busca as paisagens perdidas de Jayme Caetano Braun
Foto: Vitória Proença

“Paisagens de campo e alma, perdidas no vem e vai” inspiram a primeira obra contemporânea encomendada pela Companhia de Ópera do Rio Grande do Sul (CORS). O espetáculo, coprodução da CORS com a Filarmônica Ontoarte Recanto Maestro, será apresentado nos dias 25 e 26 de outubro, no Teatro Simões Lopes Neto, celebrando o centenário de nascimento do poeta e pajador Jayme Caetano Braun (1924-1999) com música, coreografia e poesia em torno dos versos de um dos maiores artistas do estado.

Foto: Vitória Proença

O compositor Vagner Cunha foi o convidado da CORS para conceber Em Busca das Paisagens Perdidas, título que alude ao poema Paisagens Perdidas, de Braun, e ao clássico Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust. Há ainda uma referência mais literal: as paisagens de Porto Alegre que se perdiam na enchente de maio de 2024, enquanto Cunha começava a escrever a ópera ao longo de trocas com o jornalista e crítico teatral Renato Mendonça, autor do libreto do espetáculo.

“Estamos em busca dessas paisagens perdidas, memórias que de alguma forma todos compartilhamos, ligadas à tradição gaúcha. Sempre tive esse território regional muito próximo, pelo menos na minha ambição de pertencimento”, explica Mendonça, autor do livro Pilares da Tradição (2012), que aborda as trajetórias de Adelar Bertussi, Antônio Augusto Fagundes, Paixão Côrtes e Telmo de Lima Freitas.

A pesquisa da obra de Braun pelo jornalista revelou um personagem múltiplo: “Jayme Caetano Braun foi pajador e pioneiro do rádio. Pegava notícias e transformava em décimas (estrofes de dez versos). Era ligado à tradição, muitas vezes associada a um perfil politicamente conservador, e brizolista com participação política declarada. Para mim, o principal aspecto de Jayme Caetano Braun é sua complexidade”.

A partir de leituras da obra poética de Braun, Cunha e Mendonça começaram a elaborar o roteiro do espetáculo. À pesquisa do autor do libreto e ao piano de Cunha, somou-se a participação da coreógrafa Carlota Albuquerque. “A ópera não para nunca, estão todos sempre em cena. Conseguimos construir uma corporeidade com todos os cantores e cantoras da obra”, afirma a artista.

Carlota Albuquerque. Foto: Vitória Proença

Quem dá vida a Braun em cena é o cantor nativista Pirisca Grecco. “Ensaiamos duas semanas só com piano. Agora estamos com a orquestra, decorando textos e passos, marcando a luz e experimentando roupas. É a primeira vez que canto ópera, um desafio artístico totalmente novo, distante do meu universo do nativismo e dos festivais. Exige três turnos e os momentos de folga, que passaram a ser de convívio com a obra do Jayme Caetano Braun”, contou Grecco, em meio aos ensaios finais da montagem.

Pirisca Grecco. Foto: Vitória Proença

A soprano Carla Maffioletti destaca a mescla de tradições do espetáculo: “É uma das produções mais incríveis das quais já participei, uma ópera que vai mudar muitos paradigmas de percepção. Tem todos os elementos clássicos de ópera, coreografia, dança, cultura gaúcha e os belíssimos poemas de Jayme Caetano Braun. É inusitado e brilhante”.

Maffioletti divide o palco com as também sopranos Eiko Senda, Elisa Lopes e Raquel Fortes e a contralto Luciane Bottona. Com direção musical e regência do maestro André dos Santos, o tenor Maicon Cassânego e o baixo-barítono Guilherme Roman completam o elenco, que traz a bailarina Emily Borghetti no papel de A China.

“A China é essa mulher sem rédeas e sem regra, que dá risada, sapateia e sai correndo. É uma personagem que não tem falas, mas que, ao mesmo tempo, fala muito, porque é livre. Traz referências de milonga, chacarera e tango no corpo e o elemento percussivo, que conversa com a orquestra”, diz Borghetti, que em seus trabalhos – relembre a entrevista sobre o espetáculo Chula – explora o corpo como instrumento musical.

Foto: Vitória Proença

Ao lado d’A China, o trio de musas A Terra Bugra (Eiko Senda), A Natureza (Carla Maffioletti) e A Província (Elisa Lopes) afirma a presença feminina no espetáculo. “Sabemos que dentro da tradição gaúcha e por conta da época que essas obras foram criadas, o papel da mulher era secundário. A estrutura do espetáculo assume isso de maneira consciente com A China e as musas. Essas figuras femininas ajudam o personagem do Jayme a se reconectar com as paisagens perdidas que ele traz dentro dele”, conta Mendonça.

“O assunto é muito mais o humanismo, as mulheres e o poder feminino do que o tradicionalismo”, complementa Cunha. “Em 2008, ano em que nasceu minha única filha, a temática do poder feminino no ser humano surgiu em mim e marcou o início de uma nova era na minha percepção do mundo”, conta o compositor, que desde então explora a temática em diversas obras.

Vagner Cunha. Foto: Vitória Proença

Parceiro de Cunha como cantor lírico, o diretor da CORS, Flávio Leite, defende que a companhia deve estar conectada com o presente: “Acredito que toda companhia estável de ópera precisa fazer também ópera contemporânea, de compositores e libretistas vivos. Com a efeméride do centenário do Jayme Caetano Braun, uma figura tão importante, que descreve tão bem esse missioneiro do pampa, fronteiriço, juntou a fome e a vontade de comer”.

“Precisamos de novas óperas que tratem de questões nossas”, completa Leite, que revisitou memórias da infância ao acompanhar a concepção da ópera. “Lembro de ouvir, ao lado do meu pai, o Jayme declamando poemas, com o Lúcio Yanel no violão. Esse espetáculo me conecta com a figura maravilhosa do Jayme fazendo trilha sonora para essa minha paisagem eterna.”

Capa de "Paisagens Perdidas", de Jayme Caetano Braun e Lúcio Yanel

O fim de semana de estreia de Em Busca das Paisagens Perdidas terá duas sessões, no sábado (25/10), às 20h, e no domingo (26/10), às 18h, no Teatro Simões Lopes Neto (Multipalco). No dia 1º de novembro, às 19h30, o Recanto Maestro, sede da Filarmônica Ontoarte Recanto Maestro, coprodutora da ópera, recebe o espetáculo no Palco Bell’Anima, localizado entre as cidades de São João do Polêsine e Restinga Sêca.

“Em Busca das Paisagens Perdidas”, ópera de Vagner Cunha com libreto de Renato Mendonça

Teatro Simões Lopes Neto
Quando: 25 de outubro, às 20h, e 26 de outubro, às 18h
Onde: Teatro Simões Lopes Neto – Multipalco Eva Sopher (rua Riachuelo, 1089 – Centro Histórico)
Ingressos: entre 80 e 180 reais, à venda no site do Theatro São Pedro ou na bilheteria do Multipalco, a partir de duas horas antes das sessões

Recanto Maestro
Quando: 1º de novembro, sábado, às 19h30
Onde: Palco Bell’Anima (rua Oniotan, s/nº, São João do Polêsine/RS)
Ingressos: 80 reais, na plataforma Sympla, ou no Recanto Maestro, no dia da apresentação, a partir das 19h

Leia também: Um concerto de acordeão, orquestra e afetos, sobre o Concerto para Acordeão e Orquestra, de Vagner Cunha, e a reportagem sobre Prelúdios para Piano Livro II, álbum que reúne composições de Cunha interpretadas por Ney Fialkow

Ricardo Romanoff

Repórter e editor de Cultura na Matinal. Também é tradutor, com foco em artes e meio ambiente, além de trompetista de fanfarra nas horas vagas. Contato: ricardo@matinal.org

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