Professor na Faculdade de Educação da UFRGS, Fernando Seffner estará presente na edição de 2025 da Feira do Livro de Porto Alegre. Colaborador da Matinal e responsável pelo livro Possibilidades de Pesquisa em História, o escritor lança no maior evento literário da América Latina a obra Em defesa de uma educação democrática (Editora Vozes), com Fernando de Araújo Penna e Roger Raupp Rios. O trio realiza sessão de autógrafos nesta segunda (3/11), às 15h, na Praça da Alfândega. Confira abaixo a entrevista de Luís Augusto Fischer com os autores.
Luís Augusto Fischer – Como foi produzido o livro, com três autores de diferentes profissões?
Fernando Seffner – O livro é fruto do encontro de três trajetórias políticas e de pesquisa. Eu trabalho no campo dos estudos de gênero, sexualidade e educação. Aqui temos vivenciado um conjunto de ataques feitos à autonomia escolar e à liberdade de ensinar. Tais ataques são conduzidos por movimentos de cunho conservador e vinculados à extrema-direita, como aqueles que se agrupam no combate ao que chamam de “ideologia de gênero”. Temos tido uma produção de pânico moral em torno da possibilidade do ensino de questões de gênero e sexualidade na escola. Ensinar, por exemplo, o que é equidade de gênero.
Fernando Penna tem atuado no campo dos estudos acerca da liberdade de ensinar e da autonomia escolar. Neste campo, movimentos igualmente de cunho conservador e oriundos também da extrema-direita buscam colonizar a cultura escolar por valores religiosos e familiares, o que se verifica nas proposições do movimento conhecido como "escola sem partido".
Roger Raupp é uma referência nacional no campo dos estudos do direito da antidiscriminação, que envolve tanto as situações de discriminação por gênero e sexualidade, quanto aquelas por raça, intolerância religiosa, deficiência, geração e outros marcadores sociais da diferença. Nós três conduzimos pesquisas e atuação política no sentido de buscar uma sociedade com maior densidade democrática. Nos encontramos, vindos de caminhos um tanto diversos, no interesse por aprofundar a democracia em que vivemos. Daí a elaboração de um livro que defende a educação democrática.
Luís Augusto Fischer – O livro tem uma palavra nova e forte para o argumento que é "pluriverso". Fala-se em educação democrática pluriversal. Explica um pouco essa ideia, por favor.
Fernando Seffner – A educação democrática pluriversal, na nossa proposta, pode ser compreendida na convergência da relacionalidade radical e da radicalidade relacional. Ela busca ser uma educação democrática característica dos territórios latino-americanos. A definição mais sintética da pluriversalidade foi elaborada pelo movimento Zapatista, com o lema “um mundo onde cabem muitos mundos”. Nessa definição, aparece tanto um “mundo” no singular, quanto “mundos” no plural.
O primeiro deles (no singular) indica o reconhecimento possível de um real compartilhado, entendido o fluxo incessante da vida. Qualquer tentativa de impor uma explicação universal e definitiva dessa realidade extremamente complexa e em constante mutação é uma forma de reprodução da colonialidade e seu mundo de apenas um mundo. É importante destacar aqui que a nossa realidade compartilhada é radicalmente relacional e vivemos em um pluriverso independente das nossas práticas reconhecerem a nossa interdependência ou negá-la. Consideramos pluriversais as práticas que contribuem para o fortalecimento da teia de relações que sustenta a vida no planeta Terra e que abrem espaço para que muitos mundos caibam nesse mundo.
Os mundos (no plural) fazem parte dessa realidade compartilhada e, portanto, estão conectados. No entanto, essa conexão é sempre parcial porque eles são radicalmente diferentes. Os mundos são interligados sob condições de poder desiguais e aqueles que usam seu poder econômico para colonizar conseguiram, pelo menos em parte, “universalizar” suas práticas e ocupar parcialmente outros mundos. Os mundos subalternos podem abrigar dentro de si o mundo do colonizador, mas, ao mesmo tempo, ser radicalmente diferentes.
Luís Augusto Fischer – Na tua trajetória de professor e pesquisador, esse livro é uma relativa novidade, não? Em que ele avança, comparado com os trabalhos anteriores?
Fernando Seffner – Na minha tradição de estudos, pesquisas e oferta de disciplinas, tenho publicações em dois campos, aquele que se ocupa dos estudos em gênero, sexualidade e educação, e aquele que se ocupa das pesquisas em Ensino de História. Os dois campos constituem hoje zonas de combate, com fortes investidas da extrema-direita tanto na docência de Ensino de História quanto na docência que aborda temas em gênero e sexualidade. Este livro é fruto de uma ampliação dos meus interesses para o campo das conexões entre educação e democracia. Um passo adiante dos dois campos, para um campo macropolítico. Na oferta de disciplinas na pós-graduação tenho privilegiado a conexão de cada um dos campos originais com a governamentalidade neoliberal, com as questões da meritocracia, do avanço das extremas direitas, da crise das democracias liberais e da necessidade de construir alternativas políticas que possibilitem inventar novos mundos.