Um policial com tudo o que faz parte do gênero clássico: prostituição, briga por poder, ambição, inveja, chantagem, muito sexo e violência, um detetive particular que engole litros de uísque barato, caro só quando a sorte lhe bafeja, e de cerveja, transita no submundo da cidade, luta com suas perdas e, brasileiro rodrigueano, se apaixona por uma puta.
Está mais na linha dos policiais de Raymond Chandler e Dashiell Hammet do que das narrativas de Agatha Christie ou mesmo Georges Simenon. O detetive Boccanera tem um pouco de Philip Marlowe e de Sam Spade. Mas ele não bate em quem quer seja. Só apanha. Ainda assim entrega o serviço.
O caso a ser desvendado em Perigo na esquina (L&PM), de Tailor Diniz, é delicioso: o pastor Ediraltino Canassanta contrata o detetive Boccanera a peso de dólares para encontrar o filho dele sumido havia dez anos. Júlio César trocara de vida, passando a ser Júlia Francesinha e Juliana Júpiter. Mais não digo, salvo o que estrutura a história: o pastor, casado com uma bispa gostosa e safada, quer ser candidato a deputado, mas um pastor adversário o chantageia para desistir da candidatura ameaçando contar o que Júlio César anda fazendo.
Tailor utiliza uma linguagem ágil, gírias apropriadas e faz do Centro Histórico de Porto Alegre um espaço de brigas de gangues pelo controle do território. Boccanera, como um detetive clássico, come todo mundo, inclusive a bispa, esposa do pastor que lhe paga generosamente. Pode ser que esse comportamento sexual incontido provoque alguma crítica. A auxiliar de investigação de Boccanera é Camilinha, uma prostituta vinda de Uruguaiana, que tem um irmão gaudério, frequentador de CTG e de bordéis.
O pano de fundo dessa intriga é o bolsonarismo. Perigo na esquina tem tudo para decolar. O romance inscreve-se numa tradição vencedora: contar uma história para distrair, emocionar, divertir e encantar.
Se tem mensagem, não percebi. Tem belas estocadas nos modismos, no bolsonarismo, na manipulação das pessoas e nas bobagens do dia a dia.
A crítica metida à besta, que sempre dominou os cadernos culturais dos jornais cariocas e paulistas, poderá não se apaixonar por não ser barroco, não pretender fazer uma revolução estética, nem ter arroubos modernistas. Exatamente por isso é que se torna tão bom e divertido.
Confesso que terminei a leitura apaixonado pela Camilinha. Que mulher! Parceira, família, ética, inteligente, franca e alta astral.
Tailor Diniz tirou o bairro Floresta, na capital gaúcha, da sua rotina e deu-lhe uma dimensão literária de atrair turistas. Bravo!