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Iphan confirma tombamento de Porongos em 2026

Superintendência regional da instituição deve concluir processo, 20 anos depois de iniciado pelas mãos do então ministro da Cultura, Gilberto Gil

Iphan confirma tombamento de Porongos em 2026
Foto: Thayse Uchôa

A superintendência do Rio Grande do Sul do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) confirmou que o processo de tombamento do Cerro de Porongos, em Pinheiro Machado, deve ser concluído em 2026. O jornal Extra Classe havia apurado a informação com fontes da instituição e autoridades, mas não havia recebido a comunicação direta da instituição, que agora é oficial.

Segundo nota enviada à reportagem, a previsão é encaminhar o processo ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural no próximo ano. “A apreciação e votação da pauta pelo Conselho Consultivo constituem a etapa final da instrução de um processo de tombamento”, observa o Iphan.

O Cerro de Porongos é o local onde ocorreu o Massacre de Porongos, na madrugada de 14 de novembro de 1844, que vitimou dezenas de Lanceiros Negros, grupo de soldados negros com habilidade incomum no manejo de lanças a cavalo. Naquela noite, eles haviam sido desarmados por seu comandante, o general farrapo David Canabarro, sob justificativa de temor de uma rebelião.

Um documento histórico encontrado anos depois sugere que o massacre havia sido combinado entre os comandantes farroupilhas e o então Barão de Caxias (depois Duque), patrono do Exército brasileiro e então comandante das tropas no sul. Os soldados negros lutavam nas fileiras republicanas sob a promessa de liberdade e seriam um entrave à paz com o império, que ainda era escravocrata — e assim permaneceu pelos 40 anos seguintes.

“Recordar o passado serve, sobretudo, para pensar no presente. Porongos é lugar que informa, lugar para a reflexão e o sentimento. Lugar onde os mortos permanecem vivos nas narrativas”, escreveu o então ministro da Cultura, Gilberto Gil, em seu pedido de abertura do processo de tombamento, feito em 7 de fevereiro de 2006. O processo permanecia em fase de instrução quase duas décadas depois.

“Como no poema de Birago Diop, sua presença se faz sentir nas sombras, no agitar das árvores, na água que corre. Como nas histórias locais, sua presença se faz sentir nos ruídos do vento, nos lamentos ouvidos no campo, nas palavras dos mais velhos”, completou, na época.

Além do tombamento do Cerro de Porongos — cujo resultado, na prática, é a proteção e preservação da área —, há promessa de construção de um memorial no local, iniciativa que também aguarda há duas décadas para ser executada. Um concurso arquitetônico nacional chegou a ser realizado em 2005 e escolheu uma proposta, mas ela também nunca saiu do papel. 

Recentemente, a Fundação Palmares anunciou que mantém o compromisso com a obra: “A Fundação Cultural Palmares entende a importância da execução e da finalização desse projeto, garantindo um monumento aos Lanceiros Negros”, assegura a coordenadora de projetos da Fundação Cultural Palmares, Iracilda Silva Santos. No entanto, é preciso atualizar o projeto executivo e obter verba para sua execução.  

Travessa Lanceiros Negros ganha mural definitivo em POA

Em meio ao renascimento das homenagens aos Lanceiros Negros, que parece ter contagiado inclusive projetos públicos parados há duas décadas, os heróis negros da Revolução Farroupilha ganharão um novo mural em uma pequena via de Porto Alegre que carrega o nome do grupo.

Situada no bairro Auxiliadora, a Travessa dos Lanceiros Negros liga a avenida Coronel Bordini à rua Mata Bacelar. E, na sexta-feira, 12 de dezembro, a partir das 18h, o espaço recebe a comunidade para inaugurar uma obra de arte de grandes dimensões em homenagem aos homens escravizados que lutaram em troca de sua liberdade, empunhando lanças.

Foto: Thayse Uchôa

O mural, de 15 metros de extensão, foi pintado pela artista visual e grafiteira Rara, que escolheu retratar um lanceiro de perfil, ao lado de seu cavalo, tendo ao fundo o Cerro de Porongos.

“A região que engloba os bairros Auxiliadora, Mont’Serrat, Bela Vista e Rio Branco era a antiga Colônia Africana da cidade”, explica João Volino, presidente da Associação dos Moradores e Amigos da Auxiliadora. “Mas com a urbanização, tivemos um apagamento desse processo, e a população que antes habitava essa área foi sendo empurrada para a periferia — assim como houve apagamento do papel histórico dos negros na Revolução Farroupilha”, compara Volino, justificando o nome escolhido para o local.

Carrancas originais foram pintadas a carvão

A Travessa dos Lanceiros Negros foi formalmente criada em 2015, após uma mobilização comunitária realizada ao longo de oito anos para a área ser declarada pelo município como uma via exclusiva para pedestres. “Havia a intenção de abrir para automóveis, fazendo um prolongamento da Mata Bacelar em direção a Coronel Bordini”, recorda Volino, que também era presidente da associação na época.

Hoje, a via está gravada oficialmente como uma passagem de pedestres, e é um espaço que abriga eventos comunitários, além de receber, todas as terças-feiras pela manhã, a feira ecológica do bairro Auxiliadora.

Logo que foi oficializada como uma passagem de pedestres, a Associação dos Moradores e Amigos da Auxiliadora decidiu que o muro lateral seria transformado em um mural em homenagem aos Lanceiros Negros. Eles mobilizaram um grupo de artistas para fazer a obra, mas não conseguiram apoio para tintas e outros materiais necessários.

“Os artistas não deixaram de fazer o mural. Compramos um saco de carvão e quatro caixas de giz de cera de escola, e com isso fizemos algumas carrancas simbolizando os Lanceiros”, recorda Volino. “Mas foi uma solução precária, que durou cinco anos, e depois se apagou”, completa.

Agora, o novo mural foi viabilizado com o apoio de duas construtoras que possuem projetos imobiliários no bairro, a TGD e a Plaenge Vanguard — e não vai ser improvisado. Além da pintura, a Travessa dos Lanceiros Negros mantém também placas informativas, onde há um breve sumário da história dos lanceiros, além dos registros históricos sobre a vitória da comunidade para manter o espaço só para pedestres

Naira Hofmeister

Naira Hofmeister é jornalista. Contato: naira.hofmeister@gmail.com

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