Aos 104 anos de idade, nascido em 1921, em Paris, Edgar Morin desafia o tempo e as modas intelectuais. Tudo passa. Ele fica. O pensador da complexidade mostra-se sempre mais em cada livro. Em lugar de recompor o dito em determinado momento, avança em conhecimento. Traduzi para a L&PM Lições da história, que já está nas livrarias, com uma bela e sóbria capa de Ivan Pinheiro Machado.
O mais longevo grande intelectual mundial em atividade pergunta-se se existem lições da história e dá dezesseis respostas inspiradas.
O pequeno grande livro abre com Victor Hugo: “Se à verdadeira história tudo interessa, o verdadeiro historiador se interessa por tudo”. Morin assume a narrativa e diz:
“Com essas palavras, de Os Miseráveis, Hugo indica que a História se nutre de conhecimentos tirados de todas as disciplinas, especialmente das ciências humanas, narrativas como as memórias e os romances, e até mesmo das ciências naturais – assim, as variações do clima podem ter uma incidência capital sobre os acontecimentos históricos. A aprendizagem da História, quando eu era estudante universitário, desempenhou um papel determinante na minha maneira de pensar e o que escrevi sempre foi historicizado. No transcorrer do século XX que vivi, a questão das lições da História não parou de ocupar a minha mente, terminando por amadurecer neste livro”.
Fiz muitas entrevistas com Edgar Morin desde 1991. Quando ele festejou seus 95 anos, fizemos um jogo de perguntas curtas:
– O cinema e a televisão foram objetos de seus estudos, que abordaram as estrelas, as vedetes e os olimpianos. Qual personagem desse mundo do imaginário midiático mais o marcou?
Morin – Charles Chaplin.
– A sua cultura é gigantesca, enciclopédica. O senhor passou a vida lendo. Que livros mudaram a sua vida?
Morin – Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski; as obras de Montaigne, Pascal, Spinoza, Hegel, Karl Marx e Jean-Arthur Rimbaud.
– A reforma do pensamento, necessária à complexidade, defendida em suas obras, está em curso?
Morin – Ela está apenas começando.
– A idade mudou a sua maneira de ver a vida e o mundo?
Morin – Ainda não.
– A idade muda o olhar dos outros?
Morin – Uns veem a minha velhice; outros, veem a juventude da minha velhice.
CS – O senhor tem medo de morrer?
Morin – De vez em quando.
– A poesia e os poetas ainda o encantam? Que poema vem em primeiro lugar à sua mente?
Morin – O lago, de Lamartine.
“Assim, sempre impelidos rumo a novas beiras,
Pela noite eterna levados sem cessar,
Nem por um dia no oceano das eras
Iremos ancorar?
Ó lago! Depois de um ano ainda mal passado,
Junto às diletas ondas que ela reveria,
Veja! vim assentar-me só neste rochedo
Em que a avistaste um dia.
Assim bramias sobre essas rochas profundas;
Assim quebravas sobre os costados rompidos;
Assim o vento lançava a espuma das ondas
Sobre seus pés queridos.
Certa noite, lembras? Ao vagarmos calados,
Ouvia-se à distância, entre as ondas e o céu,
O som dos remos tocando as águas ritmados,
Em murmúrio agradável.
De repente, sotaques estranhos à terra
Percutiram seus ecos nas beiras formosas;
A onda pôs-se atentiva, e a voz que me é tão cara
Proferiu estas palavras:
Tempo!, cessa teu voo! Vós, horas propícias,
Suspendei a correria:
Deixai-nos desfrutar as fugazes delícias
Do nosso melhor dia!
Os miseráveis desta terra a vós imploram:
Fluí, fluí por eles;
Levai com seus dias os zelos que os devoram,
Esquecei dos felizes.
Mas em vão peço ao tempo um só instante por ora,
Ele escapa-me e parte;
Eu digo a esta noite: sê mais vagarosa; e a aurora
Vai dissipar a noite.
Amemos pois, amemos pois! As horas fogem,
Corramos, desfrutemos!
O homem nunca tem um porto; o tempo, uma margem;
Ele flui, nós passamos!
Tempo cioso, momentos de embriaguez,
Em que o amor em torrentes traz contentamento,
Podem voar distantes com a rapidez
Dos dias de tormento?
O quê! Não nos sobrará ao menos uma mostra?
Quê! Para sempre passado? Tudo é perdido?
Esse tempo que os doa, esse tempo que os tira,
Os manterá retidos?
Eternidade, nada, passado, ermo abismo,
Que fizestes dos dias que vós consumistes?
Dizei-nos: devolvereis os sublimes mimos
Que de nós arrancastes?
Ó lago! Rochas mudas! Grutas! Mata escura!
Vós, que o passar dos anos conserva ou remoça,
Guardai desta noite, guardai, bela natura,
Ao menos a lembrança!
Que esteja em tuas procelas e quietudes,
Belo lago, e nas tuas risonhas montanhas,
Nos teus negros pinheiros e rochedos rudes
Que pendem sobre as águas.
Que esteja no zéfiro que ressoa e vai-se,
Nos sons que de margem a margem repercutes,
No astro de luz argêntea que te embranquece
Com suas claridades.
Que o vento que geme, o caniçal que suspira,
Que os aromas leves que teus ares dispersam,
Que tudo o que se escuta, se vê ou se respira,
Tudo diga: se amaram!”
(tradução do poema O lago: Wagner Mourão Brasil)
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