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Concessão do Dmae chegará ao plenário da Câmara sem consenso na base de Melo

Vereador aliado do prefeito critica ausência de estudo técnico. Vice-líder do governo acredita ter votos, apesar de dissidências públicas 

Concessão do Dmae chegará ao plenário da Câmara sem consenso na base de Melo
Mauro Pinheiro escancarou falta de consenso sobre concessão do Dmae | Foto: Elson Sempé Pedroso / CMPA

Com a discussão agendada para iniciar na sessão da próxima quarta-feira, o projeto de concessão do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) chegará ao plenário da Câmara num momento de incertezas sobre a vitória do governo na pauta. O texto precisará de 18 votos para ser aprovado, mas a base do governo Melo, que conta com 23 integrantes, dá sinais públicos de cisão, em momento próximo ao fim da CPI do Desmanche do Dmae e a um ano das eleições.

A manifestação de contrariedade mais enfática da própria base foi do vereador Mauro Pinheiro (PP), que presidiu a comissão especial sobre o projeto. No início da sessão da última quarta, ele anunciou que votará contra a proposta por falta de esclarecimentos por parte do governo. “Apesar de ser favorável, não vejo por que votar neste projeto”, declarou, apontando a falta de detalhamento. “Se não há um estudo técnico sobre como será a concessão do Dmae, não há por que esta casa assinar um cheque em branco ao prefeito dizendo que aprova a concessão de algo que não está pronto.”

À Matinal, Pinheiro comparou o projeto à compra de um apartamento. “Se tu vais comprar um apartamento na planta, precisa conhecer a planta, saber as condições. No projeto não tem”, afirmou. “Não tem explicação de como vai ser o reajuste ou quem vai ser o órgão fiscalizador. Tem lacunas não respondidas no projeto, que é mais autorizativo”, disse. Na semana passada, a prefeitura encaminhou a assinatura de contrato com a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs) para a regulação do Dmae.

A reportagem tentou contato com o Dmae para comentários a respeito das questões levantadas por Pinheiro, mas não obteve retorno. Em junho, o prefeito Sebastião Melo reuniu-se com técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para tratar do estudo sobre a modelagem da concessão, que embasará o edital. No cálculo da prefeitura, a ideia é aprovar o projeto neste ano, para lançar a licitação no ano que vem. A vencedora iniciaria seus trabalhos em 2027.

As críticas de Mauro Pinheiro foram ponderadas pela vice-líder do governo na Casa, Cláudia Araújo (PSD), que contou acreditar que o governo conta com votos favoráveis à aprovação. De acordo com ela, é necessário que o projeto seja aprovado para que se avance na avaliação da forma de concessão do Dmae: “A lei estabelece que a concessão será parcial e a aprovação da lei é fundamental para assegurar que a concessão seja parcial”, disse, ao rebater a crítica do colega: “Na minha visão, a lei garante que não será um cheque em branco”.

Reflexos da CPI

Outro ponto mencionado pelo vereador do PP foi o desdobramento da CPI do Desmanche do Dmae, na última segunda-feira, na qual o vereador Gilvani o Gringo (Republicanos) denunciou a existência de esquemas de propinas na autarquia. “Tem muita coisa para ser explicada”, observou Pinheiro, que calculou que, apesar de sua posição pessoal, o governo deverá ter votos para aprovar o projeto.

O Republicanos, assim como o PSDB e o Podemos – três siglas que, juntas, têm oito assentos – informaram que ainda analisam o projeto, segundo o Correio do Povo. Pressionado na última sessão da CPI do Desmanche do Dmae, na segunda-feira, Gringo questionou em mais de uma oportunidade a pressa na concessão. Na oitiva, ele denunciou esquemas de superfaturamento de obras na autarquia.

Apesar de entrar na pauta, votação pode atrasar 

Líder do governo na Câmara, o vereador Idenir Cecchim (MDB) evitou projetar a votação já na semana que vem. “Foi priorizado para iniciar a discussão na próxima quarta-feira. A votação ocorrerá quando terminar a discussão e o encaminhamento”, explicou ele, que já havia sinalizado a meta de votar a matéria neste mês.

Outro vereador da base não bancou a votação do texto na próxima semana, destacando que o que está marcado é, justamente, o início da discussão. Em off, vereadores citam a proximidade das eleições como fator de pressão. Cerca de metade dos parlamentares deve concorrer a algum cargo no pleito de 2026.

Do outro lado, a oposição, que tem 12 votos na Casa, tampouco aposta em votação neste momento. “Acho que ainda não vai acontecer”, especulou o vereador Pedro Ruas (PSOL), opinião compartilhada por Giovani Culau (PCdoB). “Não sei se eles (vereadores governistas) vão conseguir”.

Relatório da comissão especial apoiou concessão, mas faz sugestões. Nas audiências, maioria foi contra 

Na semana passada, a comissão especial na Câmara que se debruçou sobre o projeto concluiu relatório no qual apoiou o projeto de concessão, considerando-o “um instrumento moderno e pragmático de gestão pública”. O colegiado entende que a estrutura atual do Dmae é ineficaz para se alcançar as metas do Marco Legal de Saneamento – que prevê a universalização do saneamento até o fim de 2033. Atualmente, segundo o Instituto Trata Brasil, este índice é de 55%.

O documento, entretanto, lista dez sugestões ao projeto, entre os quais que o pagamento à concessionária seja vinculado à entrega de metas contratuais, “como forma de forçar resultados práticos e imediatos”, além de indicar a necessidade de um “modelo robusto de fiscalização e governança”. O conteúdo do relatório não é imperativo ao governo, mas pode se transformar em emendas ao projeto. De acordo com Cecchim, o relatório será analisado por Melo e a equipe do Dmae para avaliar as sugestões.

No âmbito da sociedade civil, a proposta também foi tema de 17 audiências públicas, realizadas nas regiões do Orçamento Participativo. Nelas, a maioria das participações da sociedade civil se manifestou de forma contrária à concessão. O receio ocorre na comparação com a privatização da CEEE Equatorial, que, no entendimento geral, piorou a qualidade do serviço, e o fim da tarifa social foram receios apontados. Por outro lado, quem se posicionou a favor enfatizou a necessidade de saneamento em áreas periféricas da cidade.

Texto tramita desde maio

Protocolado em maio, o projeto prevê uma concessão parcial do Dmae, tendo como justificativa central a adequação aos padrões definidos pelo Marco Legal do Saneamento Básico. Segundo o texto, o município segue responsável pela captação de água bruta “que estiverem em operação no dia da publicação” da lei, enquanto um ente privado assumiria o saneamento.

Desde então, a matéria recebeu um projeto substitutivo, mantendo o Dmae público, além de duas emendas, uma que enfatiza a propriedade do município sobre a captação – em agosto, a Matinal mostrou que o primeiro artigo da proposta pode abrir brecha para o repasse de uma estação de tratamento que ainda não está em funcionamento. A outra emenda prevê a reversão da concessão se, até um ano antes do prazo estabelecido no Marco do Saneamento, o índice de saneamento não estiver no patamar de 90%. Protocoladas por integrantes da oposição, ambas passarão por discussão em plenário, que decidirá se serão, ou não, incorporadas ao texto enviado por Melo.

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Tiago Medina

Jornalista cofundador da Matinal, repórter e editor. Especialista em Jornalismo Digital e mestrando em Planejamento Urbano e Regional. Ciclista, vencedor na categoria imprensa do prêmio CAU/RS 2024. Contato: tiago@matinal.org

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