Pular para o conteúdo

Guarda Municipal usa bombas contra vereadores e manifestantes que tentavam acompanhar votação da concessão do Dmae

Cenas de confronto ocorreram no início da sessão em que projeto de concessão do Dmae estava pautado

Guarda Municipal usa bombas contra vereadores e manifestantes que tentavam acompanhar votação da concessão do Dmae
Confronto na Câmara chegou a colocar frente a frente vereadores e Guarda Municipal | Foto: Elson Sempé Pedroso / CMPA

A Câmara Municipal protagonizou cenas que não condizem com qualquer espaço democrático na tarde desta quarta-feira, quando o plenário começaria a analisar o projeto que autoriza a prefeitura a conceder o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Com a presença da Guarda Municipal e manifestantes do lado de fora do prédio do legislativo protestando, ocorreram tumultos dentro e fora da casa. Disparando tiros de balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo, a Guarda feriu ao menos quatro vereadores – Grazi Oliveira (PSOL), Atena (PSOL), Erick Dênil (PCdoB) e Giovani Culau (PCdoB). O deputado estadual Miguel Rossetto (PT), que acompanhava a sessão, também foi alvejado com tiros de bala de borracha pelas costas. Após deixar o legislativo municipal, ele se dirigiu a uma delegacia para exame de corpo de delito e registro de Boletim de Ocorrência.

A vereadora Atena apresentou o quadro mais grave e foi levada de ambulância ao Hospital de Pronto Socorro para atendimento, onde permaneceu até a noite. Em nota, parlamentares de oposição atribuíram as cenas de violência à presidente da Câmara, Comandante Nádia (PL), de quem exigiram a renúncia do cargo. “A violência contra o povo e seus representantes é um ataque direto à democracia e ao papel do Legislativo como espaço de escuta e debate público. O que ocorreu hoje representa um rompimento do espaço institucional da Câmara Municipal de Porto Alegre”, escrevem (leia a íntegra abaixo).

Em entrevista coletiva, Nádia classificou  o episódio como “tumulto”. “A Câmara Municipal de Porto Alegre lamenta profundamente o tumulto ocorrido durante a votação do código de limpeza urbana. O parlamento é o espaço legítimo de debate e divergências, mas jamais de desordem e desrespeito a qualquer tipo de regra. Aqui é lugar de debate, discussão, divergência, convergência, mas não de tumulto”, declarou, antes de afirmar que vereadores de oposição incitaram violência e ódio, impedindo o funcionamento da Casa.

Consultada, a Secretaria Municipal de Segurança, que responde pela Guarda Municipal, não se manifestou sobre o episódio. O prefeito Sebastião Melo (MDB) informou a abertura de investigação: “Determinamos à Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG) a abertura de Inquérito Preliminar Sumário (IPS) para apurar os fatos envolvendo a Guarda Civil Metropolitana e manifestantes, durante protestos ocorridos na Câmara de Vereadores nesta quarta-feira. O procedimento deverá averiguar todos os elementos que contribuíram para o ocorrido, incluindo as imagens de câmeras corporais dos agentes de segurança”, postou, em suas redes.

Foto: Elson Sempé Pedroso / CMPA

A votação do projeto da concessão do Dmae, assim como os outros itens da pauta, foi adiada. De acordo com a presidência da Casa, o texto do Dmae não voltará nem na próxima segunda-feira.

“Ela pode ser autoridade, mas não pode agir com autoritarismo”

À Matinal, após se recuperar, a vereadora Grazi Oliveira atribuiu as cenas de violência à presidente da Câmara que, de acordo com ela, promove uma gestão autoritária. “A Nádia precisa responder por isso e o prefeito Melo também”, afirmou. “Ela pode ser autoridade, mas não pode agir com autoritarismo.”

De acordo com a parlamentar, a presidente da Casa não debateu a respeito do protocolo de segurança que ela evocou no início da sessão e que vetou a entrada de mais público nas galerias. “Tivemos o protocolo de segurança acionado, mas não sabemos qual é esse protocolo. Estamos há meses debatendo o protocolo de segurança. Se ele existe, queremos estar a par dele”, relatou.

De acordo com Oliveira, tão logo a sessão foi interrompida, os vereadores de oposição foram à entrada do Palácio Aloísio Filho para verificar a situação no lado de fora do prédio. “Quando estávamos em plenário, nos chegou (a informação de) que houve agressão. Saímos para tentar intervir e quando chegamos à porta de entrada da Câmara, nos deparamos com a Guarda Municipal de prontidão. Aquela Guarda, de imediato, nos atacou”, afirmou. “Eu só me recuperei agora”, acrescentou, em conversa por telefone às 17h47. “Tomei tiro nas nádegas e nas pernas. Estou machucada. Tive spray de pimenta no meu rosto, mesmo dizendo que eu era vereadora.”

“Eu e a vereadora Atena fomos as mais atingidas”, destacou a parlamentar do PCdoB, que acrescentou: “O fato de a Guarda Municipal não respeitar a nossa identificação e atacar duas mulheres, uma trans e outra negra, foi o fim. Isso é inadmissível. O que aconteceu aqui foi grave.”

Vereadora Atena recebe atendimento | Foto: Elson Sempé Pedroso / CMPA

Nádia, na coletiva à imprensa, negou que tenha acionado a Guarda Municipal para agir e disse que a força tem autonomia. “Agiram conforme a situação que estava sendo proporcionalmente imposta”, observou. A parlamentar, entretanto, disse que a proporcionalidade da reação será analisada posteriormente a partir das imagens captadas pelas câmeras corporais dos agentes. No entendimento da presidente da Casa, houve tentativa de invasão do prédio.

A vereadora Mariana Lescano (PP) defendeu a ação da Guarda e acusou a oposição de fomentar o confronto: “Vereadores de esquerda tentaram contra os guardas. Se eles não tivessem feito o uso da força, talvez não estivéssemos aqui”, afirmou. “Um vereador que se feriu foi ao encontro da bomba para chutá-la”, complementou, sem mencionar nomes e garantindo que há imagens.

Cronologia de um dia caótico

Antes da sessão começar, a oposição protestou contra o acionamento de um protocolo de segurança, que limitava a entrada do público na Câmara e que passou a vigorar às 12h30. Com as galerias próximas da sua capacidade máxima, dezenas de pessoas ainda permaneciam fora, quando a sessão teve início. A concessão do Dmae era o sexto item da lista de priorização.

Em meio a uma pauta que já mobilizava setores sociais, o primeiro momento de maior tensionamento ocorreu por volta de 14h45, quando o vereador Coronel Ustra (PL) solicitou que os parlamentares que tenham porte de arma pudessem andar armados no plenário, como medida de segurança. O requerimento provocou protestos da oposição.

Já com discursos inflamados sobre a proibição de mais pessoas adentrarem ao prédio em meio ao sol e ao calor da tarde, a sessão foi suspensa às 15h38, quando  foram ouvidas as primeiras bombas no lado externo do Palácio Aloísio Filho. Até então conduzidos pelo vereador Marcio Bins Ely (PDT), os trabalhos seriam interrompidos inicialmente por cinco minutos, mas o período se estendeu por quase uma hora. Enquanto isso, nos corredores e no pátio, confrontos envolveram manifestantes e forças de segurança.

Por volta das 16h15, a vereadora Comandante Nádia (PL) convocou uma reunião com os vereadores na sala ao lado do plenário. Logo depois, porém, o vereador Alexandre Bublitz (PT) voltou e começou a falar na cadeira da presidência. No momento em que denunciava a violência sofrida por parlamentares, o áudio de seu microfone foi cortado. A transmissão da TV Câmara, que havia continuado mesmo com a suspensão dos trabalhos, foi interrompida.

Bublitz, mesmo sem microfone, reabriu e encerrou a sessão, evocando o fato de pertencer à Mesa Diretora da Câmara – ele é terceiro secretário da Mesa. Nádia, porém, rechaçou a prerrogativa do petista para a medida, classificando-a como “usurpação” da função. Por volta de 18h10, ela reabriu a sessão, sob protestos de parlamentares da oposição e gritos de “autoritária” por parte do público ainda presente nas galerias.

Não houve, porém, votação de projetos. A sessão foi definitivamente encerrada cerca de 20 minutos depois.

Presidente Comandante Nádia concede coletiva de imprensa após confrontos | Foto: Elson Sempé Pedroso / CMPA

Nota conjunta da oposição

Contra a violência e em defesa da democracia. A truculência não pode ser arma política.

Nesta quarta-feira, a Câmara Municipal de Porto Alegre viveu um episódio inaceitável. Durante a sessão em que seriam votados projetos profundamente prejudiciais ao povo da cidade, como a privatização da atividade de saneamento do DMAE, o projeto que criminaliza quem ocupa imóveis pelo direito à moradia e a proposta que ataca o trabalho digno de catadores e catadoras, manifestantes foram impedidos de acessar o plenário para acompanhar o debate público.

O ato era pacífico, composto por mulheres, crianças e idosos, que buscavam exercer seu legítimo direito à participação popular. Ainda assim, houve ordem direta da presidente da Câmara, vereadora Comandante Nádia (PL), para impedir a entrada dos manifestantes, mesmo sob sol forte. Enquanto vereadores da oposição negociavam permitir que mulheres, crianças e idosos entrassem apenas para se proteger do calor, a ROMU (Ronda Ostensiva Municipal), subordinada à Secretaria de Segurança do Governo Melo, foi acionada e iniciou uma ação de repressão violenta.

Nesse momento, os vereadores se aproximaram para entender o que estava acontecendo, e a ROMU passou a lançar bombas e gás, atingindo manifestantes, parlamentares e até funcionários que estavam dentro do prédio da Câmara.

Entre os agredidos estão vereadores da bancada de oposição, que tentavam mediar a situação e garantir o diálogo e a democracia, além de manifestantes que protestavam de forma pacífica.

Como se não bastasse, o vereador Coronel Marcelo Ustra (PL) fez uma questão de ordem pedindo para entrar armado no plenário, caso fosse liberado o acesso dos manifestantes. Trata-se de uma postura absolutamente inaceitável, que ameaça a integridade física dos presentes e afronta o espírito democrático que deve reger o Parlamento.

A violência contra o povo e seus representantes é um ataque direto à democracia e ao papel do Legislativo como espaço de escuta e debate público. O que ocorreu hoje representa um rompimento do espaço institucional da Câmara Municipal de Porto Alegre. A violência física e simbólica cometida dentro da Casa do Povo é uma barbárie contra a democracia, contra a representação parlamentar e contra os direitos humanos. Quando a força substitui o diálogo, e o medo toma o lugar da política, a própria legitimidade do Legislativo é ferida.

Diante da gravidade dos fatos, exigimos a imediata renúncia da presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, vereadora Comandante Nádia (PL), responsável política e institucional por essa barbárie.

Também é necessária uma investigação rigorosa e transparente sobre toda a operação que culminou em violência contra a população e parlamentares, bem como a imediata substituição dos guardas municipais que atuam dentro da Câmara e que participaram das agressões.

Não aceitaremos que a Câmara se torne palco de autoritarismo, repressão e violência contra quem luta por direitos.

Tiago Medina

Jornalista cofundador da Matinal, repórter e editor. Especialista em Jornalismo Digital e mestrando em Planejamento Urbano e Regional. Ciclista, vencedor na categoria imprensa do prêmio CAU/RS 2024. Contato: tiago@matinal.org

Todos os artigos

Mais em Reportagem

Ver tudo

Mais de Tiago Medina

Ver tudo