*Reportagem atualizada às 14h48 de 16/12/2025 para incluir resposta da Seduc.
Na foto tirada nesta segunda (15), o governador Eduardo Leite (PSD) aparece sorrindo ao lado de autoridades ligadas ao agronegócio, entre elas o secretário adjunto da Agricultura, Márcio Madalena, e o futuro presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Domingos Velho. A pauta, no entanto, era de educação. Sem nenhum representante da área presente, Leite sancionou o projeto que institui o “Programa Escola Amiga do Agro”, de autoria de Luciano Silveira (MDB). De acordo com o texto do PL, a iniciativa tem o objetivo de “promover uma interação entre os estudantes e o agronegócio do Rio Grande do Sul e suas profissões”. Prevê “atividades pedagógicas” relacionadas ao agronegócio destinadas aos alunos do ensino fundamental e médio em escolas públicas e privadas gaúchas. O projeto não descreve quais serão os métodos e práticas apresentados aos estudantes.
Ainda que seja destinado à educação pública, o projeto prevê a possibilidade da realização de “convênios e/ou parcerias com instituições educacionais públicas e/ou privadas e, ainda, com empresas públicas e/ou da iniciativa privada, instituições e entidades ligadas ao setor”. Na prática, a lei permite que entidades do agronegócio se aproximem das escolas sem necessariamente estarem ligadas à educação.
Proposto em 2024, o “Escola Amiga do Agro” dialoga com outras tentativas de mudar uma visão supostamente negativa do setor nas escolas. Recentemente, uma reportagem da Matinal revelou o trabalho da Associação De Olho no Material Escolar (Donme) para interferir na formação de professores e nos livros didáticos.
À Matinal, o autor do projeto Luciano Silveira afirmou que sua proposta terá foco na liderança do professor. E deve abrir mais espaços para entidades como a Donme. “Possibilitamos a participação da sociedade civil por meio dos seus sindicatos e federações, com proposições de iniciativas”, disse. Como a Donme, o projeto de Silveira quer “eliminar distorções sobre as funções socioeconômicas da agropecuária”. No caso da Donme, muitos questionamentos não têm base científica.
Na esfera federal, também chamado de “Programa Escola Amiga do Agro”, há o PL 4930/2023, proposto pelo deputado federal paranaense Tião Medeiros (PP). Atualmente tramitando na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o PL foi aprovado pelo relator, o deputado Duda Ramos (MDB-RR), aliado de partido de Silveira.
Para especialista em educação, lei fere a Constituição
A emergência climática pode ter reacendido o interesse do agronegócio em intervir na educação, na visão da professora Vera Peroni, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Existe uma tentativa de reposicionar o setor em meio ao debate sobre a crise climática. “O setor sabe que está perdendo com toda a discussão ambiental, mais forte do que no passado”.
Para Peroni, no entanto, a lei representa algo mais grave. ”Um projeto que diz para ensinar dessa forma e não de outra fere a gestão democrática que é parte da Constituição Federal", afirma a professora. “Fere também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que diz que o projeto político-pedagógico deve ser definido pela comunidade escolar. Não é nenhum governador que define o projeto pedagógico. É a comunidade escolar e isso foi uma conquista democrática”, completa.
À Matinal, o deputado Luciano Silveira afirma que sua preocupação em encaminhar o projeto estava em “estimular, por meio das escolas, a permanência dos jovens no campo”. Segundo o parlamentar, “esse conhecimento é essencial para formar cidadãos conscientes da importância do agronegócio, estimulando o interesse por carreiras nessa área e, consequentemente, garantindo a sucessão rural e a inovação no setor”.
Questionado sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já ter o ensino da agricultura previsto, Silveira garante que não deseja alterar a abordagem nacional. “Não queremos mudar nada disso, nem queremos ditar quando e onde o professor vai aplicar tais assuntos”, disse à Matinal.
Silveira ainda garantiu que o perfil da agricultura ensinada através do programa será diverso. “Nós não distinguimos produtores. Do agroexportador que produz o arroz, o trigo, a soja, à agricultura familiar, passando por práticas regenerativas e agricultura orgânica”, disse.
Criticado pelo setor, Leite agora celebra ensino dos valores do agro
Rachado com o agronegócio desde sua eleição em 2022, o governador gaúcho foi alvo de vaias em setembro, durante a solenidade de abertura da 48ª Expointer, principal feira agropecuária do Rio Grande do Sul. Na ocasião, Leite acusou os setores do agronegócio de promoverem uma “tentativa de captura política”.
Na sanção do “Escola Amiga do Agro”, o governador mudou o discurso. “Tudo o que a gente puder fazer para disseminar um maior conhecimento sobre os ‘valores do agro’ é sempre muito válido”, celebrou Leite ao parabenizar o deputado sobre o mérito do projeto, em fala à bancada do MDB no portal da Assembleia Legislativa.
Questionada pela Matinal sobre o projeto e sua implementação prática, a Secretaria de Educação (Seduc) esclareceu que o projeto se encontra em análise em relação a implementação na rede de educação básica do estado.