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Revista Tição lança edição sobre a mulher negra na 71ª Feira do Livro de Porto Alegre

Criada em plena ditadura militar, Tição volta a iluminar o debate sobre cultura, identidade e negritude no Mês da Consciência Negra

Revista Tição lança edição sobre a mulher negra na 71ª Feira do Livro de Porto Alegre
Publicação espacial é a segunda lançada desde que a revista fechou em 1980 | Foto: Beto Rodrigues


* Esta reportagem foi atualizada para informar alterações na programação

Quase meio século após seu surgimento, a Revista Tição, fundada em 1978 por militantes do movimento negro em plena ditadura militar, retorna às ruas de Porto Alegre com uma edição especial e uma programação que celebra o Mês da Consciência Negra. Em um reencontro simbólico entre passado e presente da imprensa negra gaúcha, a presença da Tição na 71ª Feira do Livro de Porto Alegre reafirma a permanência da luta antirracista no Rio Grande do Sul.

No dia 8 de novembro, às 15h, serão realizados dois lançamentos simultâneos da edição A mulher negra: no Clube do Comércio e no Ritter Hotel. O grupo havia um painel marcado para a sexta-feira (7), no Mercado das Histórias, mas a atividade foi cancelada por conta da chuva, junto de outras da Feira do Livro.

Esta é a segunda edição da Tição após 45 anos em que esteve suspensa, a quinta de toda a história. Em janeiro deste ano, já havia sido publicada a quarta. A escolha da nova temática reforça a intenção da revista de dar visibilidade a vozes historicamente silenciadas, ao mesmo tempo, em que convida novas gerações a refletirem sobre identidade, resistência e representatividade.

“Sentimos que ainda não tem um veículo que fale a nossa linguagem, que mexa com os nossos temas, com a nossa intimidade, angústias, temores e nossas atitudes”, comenta Jeanice Ramos, uma das fundadoras da revista. “Entendemos que dentre todas, a mulher negra ainda é a mais fragilizada. Digo fragilizada em termos sociais, pois são mulheres guerreiras e batalhadoras, muitas que criam seu filho solo, e essa luta nunca aparece”, complementa.

Jeanice é uma das fundadoras do projeto | Foto: Beto Rodrigues

Ao lado de Jeanice, também foram fundadores da revista Oliveira Silveira, Vera Daisy Barcellos, Emílio Chagas, Jorge Freitas, Edilson Nabarro e Walter Carneiro, mais tarde, Jones Lopes entrou para a equipe. Quando lançaram a Tição, eram jovens jornalistas recém-formados, que enxergavam uns nos outros a capacidade para apresentar ao público questões que estavam ocultas. “Nós sentíamos falta de um veículo que atendesse a comunidade negra. Só víamos manifestações sobre negritude nas páginas de esportes ou na de polícia, falando mal dos negros. Pensamos em fazer mais, com uma revista que desse uma visão otimista e aguerrida do negro, das suas potencialidades”, conta Jeanice. 

Juventude negra

Além das duas edições comemorativas, o grupo pretende produzir outros quatro números ao longo de 2026, ampliando o diálogo sobre diferentes pautas do movimento negro. A próxima publicação já tem tema definido: a juventude negra. “O tema está muito latente na nossa sociedade. A perspectiva que prevalece ainda é a da sociedade ariana, não a da própria juventude negra e queremos trazer essa perspectiva, mostrar o que esses jovens vivem, pensam e enfrentam”, explica.

Para Jeanice, discutir o papel da juventude negra é urgente diante da ausência de políticas públicas que ofereçam oportunidades reais de emancipação e criação. “Os jovens negros estão muito desprotegidos. Não existe uma política que os ajude a sair do tráfico, das drogas, desse anonimato que impede de sonhar e construir um futuro”, afirma. A proposta, segundo ela, é que a Tição siga como espaço de escuta, formação e representação assim como foi na origem, mas agora voltada também às novas gerações que buscam referências e pertencimento.

A história

A Revista Tição publicou três edições, em 1978, 1979 e 1980, denunciando a exclusão e as injustiças contra a população negra. Apesar de poucos exemplares, o impacto das revistas foi significativo e ultrapassou as fronteiras do Rio Grande do Sul e do Brasil. Suas reportagens e artigos inspiraram outras iniciativas de comunicação voltadas à valorização da cultura afro-brasileira e ao combate ao preconceito. 

A publicação foi descontinuada, segundo Jeanice, por falta de patrocínio e porque integrantes se dedicaram a projetos pessoais. O retorno foi recebido com entusiasmo pelo público, motivando a equipe a seguir com novas edições. “As pessoas adoraram o retorno da Tição. Em janeiro lançamos o número quatro e agora este quinto número é dedicado às mulheres negras, uma lacuna que ainda existe na imprensa gaúcha quanto na brasileira”, destaca. 

O reencontro dos fundadores veio de uma amizade que nunca se perdeu. “A gente sempre se viu, continuamos amigos, mas agora sentimos a necessidade de fazer esse ciclo novamente”, explica a jornalista. De todos os fundadores, Oliveira Silveira, Jorge Freitas e Walter Carneiro já faleceram. 

Durante a 71ª Feira do Livro, o grupo aposta em uma programação voltada ao diálogo com diferentes públicos, com lançamentos simultâneos na Sala Vitrine de Lançamentos, no Clube do Comércio e no Seminário Caminhos da Resistência, sediado no Ritter Hotel. “É sempre bom conversar com a comunidade, entender o que esperam de nós, como percebem as temáticas que propomos e de que forma elas chegam. Principalmente com os jovens, que muitas vezes nos dizem: ‘nunca tinha pensado nisso por esse lado’, por isso é importante a gente discutir a temática negra”, conclui Jeanice.

Mariana Dawas

Estagiária de jornalismo. Formada em Relações Internacionais pela PUC-RS, estudante de Jornalismo na UFRGS e fotógrafa freelancer. Contato: mariana@matinal.org

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