Sempre respeitei o Mário Corso, mas a coluna dele em ZH no dia 12 de novembro me pareceu retrógrada e intragável. Já acreditei muito nesse discurso. Mas hoje me parece fruto de uma sociedade judaico-cristã, patriarcal e capitalista.
Ele fala de uma pesquisa que trata do declínio global dos relacionamentos românticos estáveis e atribui isso à sociedade do descartável, dos aplicativos e, principalmente, ao hiperindividualismo e ao ego humano. Já pensei muito como ele e já me esforcei – e sofri – para tentar me adequar a esse modelo social que vem sendo imposto desde que fomos colonizados pelos europeus.
O casamento é uma instituição social criada para manter a propriedade privada, para garantir que os filhos das mulheres fossem de seus parceiros, assegurando, assim, que a herança permanecesse na família. Os casamentos não eram por amor, mas sim arranjados, mantendo o poder e o dinheiro sempre nas mesmas famílias.
Depois, com o surgimento do amor romântico, criou-se a ilusão de que era possível casar por amor e não por um arranjo familiar. Digo ilusão, pois, na prática, esse amor romântico é algo inventado, um conceito social, baseado na cultura cristã e patriarcal.
A ideia da existência de uma única pessoa destinada a nos acompanhar pelo resto da vida, como se existisse uma metade da laranja, não cola mais. Nós somos seres sociais, capazes de amar muita gente. Podemos amar e ter relacionamentos estáveis com nossas amigas, nossas irmãs, nossos filhos, nos relacionar amorosamente com colegas de trabalho, vizinhos e seja lá com quem for. Quem disse que precisamos dividir o mesmo teto para amar alguém?
A ideia da existência de uma única pessoa destinada a nos acompanhar pelo resto da vida, como se existisse uma metade da laranja, não cola mais.
O amor romântico é muito baseado no sexo e no capital. Como se só pudéssemos entregar a nossa vida, compartilhar nossos dias com a pessoa com a qual transamos. E se pudéssemos desassociar o sexo do amor? E se pudéssemos amar pessoas com as quais não transamos e transar com pessoas com as quais não queremos dividir o teto, a vida?
Isso parece absurdo aos olhos da igreja, que nos ensinou a fazer sexo para procriar, que por muitos séculos definiu a virgindade feminina como sinônimo de respeito e honra, e liberou os homens para transarem com quem quisessem, mantendo a esposa aprisionada em casa.
Quando as mulheres chegam ao mercado de trabalho, elas seguem responsáveis pelos serviços domésticos e de cuidados parentais. Elas, então, se casam, trabalham fora para garantir a renda familiar e ainda acumulam o trabalho de cuidado do lar, não reconhecido e nem remunerado – mas que gera riqueza para a produção. Outras famílias mantêm-se longe dessa discussão pois podem pagar o serviço de trabalhadoras domésticas . E quem limpa a casa e cuida dos filhos das diaristas? As mulheres são as maiores cuidadoras da casa, das crianças e dos idosos. Os números do IBGE estão aí para confirmar o que digo.
O casamento interessa principalmente aos homens. Homens casados conseguem melhores empregos, vivem mais e têm mais saúde. Mulheres casadas estão sobrecarregadas, trabalham mais (contabilizando as horas do trabalho doméstico) e adoecem.
Não querer submeter-se a relações familiares tradicionais, monogâmicas, patriarcais e heteronormativas talvez explique melhor o “declínio global dos relacionamentos românticos estáveis”. Classificar esse comportamento social como expressão do individualismo não ajuda se quisermos pensar numa sociedade mais justa.
A quem o casamento interessa?
Desculpa, Mário Corso. Mas não é à toa que essa coluna tenha sido assinada por um homem.