O historiador Gunter Axt participa da Feira do Livro de 2025 autografando dois livros: A pacificação da Revolução Federalista e a crise de 1895 e A revolução liberal de 1923, publicados pelas editoras Martins Livreiro e Edigal. A sessão acontece nesta quinta-feira, às 18h.
Nesta entrevista, Gunter, que já foi secretário da Cultura de Porto Alegre, explica seu interesse pelo período da Primeira República e como se organizam as duas publicações. “O livro sobre a Revolução de 1923 é mais teórico. Não é uma narrativa da Revolução, mas uma reflexão crítica sobre o seu sentido histórico. O livro sobre a Pacificação de 1895 é mais narrativo, factual", conta.
Até o final da Feira do Livro, 16 de novembro, a Matinal publica uma série de entrevistas com escritores e escritoras que participam da programação. Leia aqui todos os conteúdos, e acompanhe as demais atividades do evento.
Confira, a seguir, a entrevista conduzida por Luís Augusto Fischer, editor da Parêntese.
Luís Augusto Fischer – A revolução de 1923 costuma ser posta, na mentalidade comum, como uma a mais no longo percurso de lutas internas no Rio Grande do Sul. Em que, essencialmente, ela difere? O que quer dizer "liberal no contexto"?
Gunter Axt – No plano da memória e da celebração de tradições, a ênfase na Revolução Farroupilha eclipsa de fato todas as demais. Mas também pela historiografia há apequenamento da Revolução de 1923, na medida em que ela é em grande parte percebida como um movimento conservador, elitista e regionalista, bramido contra o Governo Borges de Medeiros, supostamente, como querem alguns, progressista, não obstante seu autoritarismo e sua ortodoxia liberal-conservadora.
Ao contrário, vejo a Revolução de 1923 como um movimento nacional, que deixou legado muito mais sólido ao país do que a Revolução Farroupilha. Mobilizou um arco de alianças amplo, com participação, além de lideranças da elite, também da classe trabalhadora, de estudantes e de camadas populares, como ervateiros e posseiros da serra. Apenas a coluna Honório Lemes, na Campanha, arregimentou 3 mil combatentes. Não é possível mais admitir que essas pessoas estivessem dispostas a morrer graças à manipulação dos coronéis. Elas tinham também seus anseios.
A Revolução aconteceu em um contexto de grave crise econômica internacional e de fragilização de Borges de Medeiros em nível nacional. Contou com comitês de apoio em outras capitais, suporte de governos de outros estados e adesão velada de setores do Exército. Determinou a revisão da Constituição do estado, acabando com as reeleições sucessivas e permitindo que Getúlio Vargas se tornasse governador, unindo as forças políticas gaúchas. Mas foi mais do que a antessala da Revolução de 1930.
Ela alavancou a reforma constitucional federal de 1926, infundiu a ideia de que uma revolta liberal poderia ser transformadora, emprestou sua pauta ao movimento tenentista e, sobretudo, fundou o conceito de jurisdição eleitoral, uma inovação genuinamente brasileira e que está na base mais consistente da nossa democracia. Temos Justiça Eleitoral porque mil pessoas deram a vida em 1923. Foi lá que o conceito começou. Nesse sentido, em razão de seu empenho pela qualificação do voto e do espaço público, assume um viés tipicamente liberal. Não foi uma revolução social e tampouco pela redefinição das estruturas econômicas, mas pelo fortalecimento das garantias liberais clássicas. Ao fazê-lo, plantou a semente de uma inovação institucional muito importante para o Brasil.

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Fischer – Tu pesquisas esse universo da primeira república há muitos anos. Tens encontrado novos dados e/ou novos caminhos interpretativos recentemente?
Gunter Axt – Sim. Há muitas fontes ainda a serem consultadas e as perguntas podem mudar. Acho, por exemplo, que a Revolução de 1923 não rompeu a paz, porque não havia paz possível em um estado de opressão constante e de beligerância latente, no qual a luta armada era o corolário de uma campanha eleitoral com alguma pretensão de sucesso, já que o sistema era entorpecido pela fraude.
No livro sobre a Pacificação de 1895, descobri que Julio de Castilhos pode ter se envolvido em duas tentativas de rebelião contra o governo federal e que o Pacificador, General Galvão de Queiroz, foi alvo de uma campanha híbrida, que envolveu fake news, discursos no Congresso, pregação em jornais alinhados, enfim, muito parecida com fenômenos atuais. Suspeito que a Federalista tenha começado em junho de 1892, antes, portanto, da data oficial de janeiro de 1893, e tenha sido em grande medida provocada pelo próprio Floriano Peixoto. Em 1895, muita gente não queria a paz, mesmo com o País em frangalhos e diante da invasão do território brasileiro pela Inglaterra e pela França, porque a guerra havia se tornado uma indústria, uma empresa, fabulosa fonte de corrupção.
A Federalista custou aos cofres públicos muito mais do que a Guerra do Paraguai e causou expressiva destruição em território nacional. Além disso, vejo o castilhismo como parte do jacobinismo. Então, para mim, o jacobinismo, que muitos acham ter sido um fenômeno tipicamente carioca, disputou de fato um projeto nacional e não se dissolveu em 1897 com a repressão desencadeada após o atentado contra o Presidente da República, mas continuou vivo e institucionalizado no Rio Grande do Sul. Também olho para a questão da anistia, percebendo que a fórmula se viabiliza quando os governantes de plantão têm interesse no esquecimento não dos atos dos derrotados, mas de atos de corrupção e de feroz opressão por eles próprios cometidos. Anistias, já naquela época, exigiam um ponto de convergência entre Executivo, as duas Casas do Congresso e o Judiciário. Como anistia não é perdão, mas esquecimento, não há anistia imposta, no grito. De resto, para os vencidos, a anistia no papel não significava o fim das perseguições.
Fischer – Como se estrutura essa publicação?
Gunter Axt – O livro sobre a Revolução de 1923 é mais teórico. Não é uma narrativa da Revolução, mas uma reflexão crítica sobre o seu sentido histórico. O livro sobre a Pacificação de 1895 é mais narrativo, factual – me estendo, por exemplo, na parte descritiva do combate do Campo Osório, em 1895, ou no contexto que levou à Traição de Bagé, em 1892. Vejo essa história de intolerância do início da República como uma sinfonia macabra – da qual, acho, nunca estaremos plenamente livres – e por isso os capítulos se remetem a movimentos de uma sinfonia. Não é uma tese acadêmica, minuciosa, é um ensaio, que deixa ganchos diversos para trabalhos futuros. Um tem pouco mais de 100 páginas, o outro 290 páginas. Não são extensos.
