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Sandra Ling: "No início a poesia era uma forma de escutar o que não cabia no traço"

Sandra Ling: "No início a poesia era uma forma de escutar o que não cabia no traço"
Foto: Editora 7Letras / Reprodução

De traços e palavras é feita parte da trajetória de Sandra Ling, que lança neste ano a obra Sempre é outra superfície. Depois do livro passar pela Festa Internacional Literária de Paraty (FLIP) e ser exposto na Casa José Saramago, em Portugal, a criação de Ling estará na edição de 2025 da Feira do Livro de Porto Alegre. Uma conversa com a autora ocorre neste sábado (14/11), às 16h, no Clube do Comércio, seguida de sessão de autógrafos às 17h, na Praça da Alfândega. Na série de diálogos com escritores e escritoras presentes na Feira, publicadas pela Matinal ao longo do evento, Luís Augusto Fischer explorou com Ling as particularidades de seu processo criativo. Leia abaixo.


Luís Augusto Fischer – Vem de quanto tempo tua prática da poesia? Ela nasceu antes do desenho, depois dele, junto com ele? Em função dele?

Sandra Ling – Minha prática da poesia veio depois do desenho — e da pintura.
Nos anos 1980 comecei a estudar arte no Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre, mas interrompi para me dedicar aos filhos, num período de home schooling. Voltei a pintar e a expor em 1992, depois de estudar arte nos Estados Unidos e abrir meu próprio ateliê em Porto Alegre.
A poesia começou mais tarde, talvez há uns 25 anos, com poemas confessionais. No início era um espaço íntimo, uma escrita quase secreta, uma forma de escutar o que não cabia no traço.
 Os desenhos deste livro surgiram bem depois, e junto deles vieram as palavras, que se desdobravam em linhas e imagens. Mesmo nas telas, as palavras já vinham se insinuando, buscando espaço na superfície.
 Hoje percebo que, ao longo da minha trajetória, a palavra sempre esteve ali, pulsando junto à imagem — uma presença silenciosa, mas constante.

Luís Augusto Fischer – Ao ler os poemas, e pensando no título do conjunto, sempre é outra superfície, me veio a sensação de que eles lidam com o tempo tanto quanto com o espaço — a superfície, o instante. Isso tem a ver com a ideia da impermanência e, por aí, com a filosofia oriental. Faz sentido?

Sandra Ling – Sim, faz muito sentido.
O livro trabalha nesses dois planos — o do tempo e o do espaço — e carrega uma influência oriental profunda. Há nele uma escuta constante da impermanência, uma atenção quase aguda ao que muda de forma, ao que escorre.
 A “outra superfície” é também o que está por vir, o instante que se desfaz, o traço que desaparece. 
Talvez por isso o livro se mova entre o desenho e o poema — ambos são tentativas de tocar o transitório, de reter o que já está partindo.
 E é curioso: quando o livro encontrou seus leitores, essa impermanência ganhou nova forma — tornou-se diálogo, presença compartilhada.


Luís Augusto Fischer – Como tem sido a recepção do livro? Algo te surpreendeu?

Sandra Ling – A recepção tem sido muito bonita e, de certo modo, surpreendente.
 Sempre é outra superfície, lançado pela editora 7Letras, já está em sua segunda edição e tem vivido um percurso que me emociona profundamente.


O livro foi acolhido por poetas de grande generosidade — Carlito Azevedo, que escreveu a orelha, e Guilherme Gontijo Flores, que assina o posfácio. Ambos compreenderam o espírito do trabalho com uma escuta atenta, o que deu à obra um lugar de pertencimento no campo poético contemporâneo.

Ele foi lançado na FLITI — Feira Literária Internacional de Tiradentes, em uma mesa com a poeta Luiza Romão, mediada por Daniel Kondo; depois na Flip, em Parati, com uma leitura na Casa Libre.
 Em Portugal, o livro teve um momento muito especial: foi destaque no Festival Fólio, em Óbidos, e a partir dessa participação surgiu o convite para uma exposição individual na Casa José Saramago, dedicada exclusivamente às imagens do livro.
 Também foi apresentado na Livraria da Travessa, em Lisboa, e em breve chegará à Feira do Livro de Porto Alegre.

É bonito ver esse percurso — no Brasil e fora dele.
 Parece que o livro vai encontrando seus próprios espaços e ressonâncias, como se confirmasse aquilo que procuro nas páginas: que toda superfície é, de algum modo, também um caminho.

Luís Augusto Fischer – Já tem sentido para ti pensar em novos livros, novas reuniões de poemas e desenhos?

Sandra Ling – Sim, já penso no próximo. Tenho uma nova série de desenhos pronta — desta vez com aquarela e cor, um passo a mais no diálogo entre gesto e palavra.
 Os poemas estão nascendo devagar, no tempo deles. Cada verso parece germinar como uma semente, esperando o instante certo para brotar.
 Sinto que esse encontro entre poesia e desenho ainda está se desdobrando.

Luís Augusto Fischer

Professor e editor da revista Parêntese.

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