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Julia Dantas: "Tenho a sensação de que todo mundo estava num estado de infantilização"

Julia Dantas: "Tenho a sensação de que todo mundo estava num estado de infantilização"

Autora de A mulher de dois esqueletos (2024) e Ruína y leveza (2015), Julia Dantas lança na 71ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre a obra Pássaros de cidade, livro que integra a coleção Narrativas Porto-Alegrenses. O material foi primeiramente publicado durante a pandemia de covid-19 em formato de folhetim, na revista Parêntese, e ganha novos contornos a partir do trabalho da editora Coragem. A escritora participa de conversa com os demais autores da coleção no Clube do Comércio no domingo (2/11), às 14h, e realiza sessão de autógrafos às 16h em frente ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS). Confira abaixo a breve conversa da autora com Luís Augusto Fischer, editor da Parêntese.

Luís Augusto Fischer – Como foi a experiência de escrever a história de Pássaros de cidade, que envolve um menino (e sua família), um senhor e uns quantos pássaros, durante a pandemia?

Julia Dantas – Pareceu natural trabalhar com um personagem criança naquele momento, porque tenho a sensação de que todo mundo estava num estado de infantilização: sem saber o que estava acontecendo, sem saber até quando ia durar, sem saber o que se podia ou não fazer, com medo e sem solução visível. Então nesse sentido foi "fácil" entrar no espírito de um menino de sete anos. Coloco aspas porque houve também desafios para construir a verossimilhança do Lúpino. Na época, eu estava isolada e sozinha em casa, então sem conviver com sobrinhos ou filhos de amigos. Contava apenas com a memória, e gostava muito de conversar com crianças, o que levou à criação da amizade entre Lúpino e Domingos. As amizades intergeracionais são raras, mas muito transformadoras, seja quando estamos no lado mais velho ou mais jovem. Eu tinha muita vontade de explorar isso na literatura.

Luís Augusto Fischer – A novela foi revista para a publicação em livro, pela editora Coragem, a partir da publicação na Parêntese. Foi difícil rever o material? Te pareceu que faltava algo? Sobra algo?

Julia Dantas – Foi melhor do que eu esperava. Eu achava que ia ter que mudar muita coisa, mas acabei alterando mais as falhas técnicas mesmo: um ou outro erro de continuidade, repartições excessivas, vícios de linguagem que não chamavam atenção em cada capítulo individual, mas que pesavam na leitura de cabo a rabo. Também achava que ia querer alongar a trama, mas acabei concluindo que ela termina no momento certo, ainda com muito em aberto, mas espero que as pessoas que lerem já consigam imaginar para onde vão aquelas pessoas no mundo que veio depois da vacina e tudo mais.

Luís Augusto Fischer – Desde o tempo em que saiu na Parêntese e até agora, tu recebeste comentários de leitores? Algo em particular te chamou a atenção?

Julia Dantas – Lembro que na época o retorno que eu mais recebia era algo na linha de: que bom ler uma história de pandemia que não é pesada nem desoladora. Porque embora haja muita angústia e pelo menos uma tragédia, o texto saiu num tom de ternura (eu acho, pelo menos), que acompanha os esforços dos personagens de fazer o melhor possível em uma situação impossível. Já as pessoas que leram depois da pandemia me disseram todas o mesmo: que estranho ler um texto de pandemia e lembrar tudo aquilo que eu nunca mais tinha lembrado. Imagino que tenha muita coisa que a gente prefere esquecer mesmo, mas também acho que temos o dever de lembrar.

Luís Augusto Fischer – Numa postagem nas redes, tu falaste de uma sensação ambivalente ao escrever a história, porque havia a pressão do prazo e, de outro lado, havia a velocidade própria da criação literária, que não respeita muito o calendário comum. Passado esse tempo já, como tu vês essa experiência?

Julia Dantas – Foi muito diferente do meu processo habitual porque costumo deixar meus textos de molho, descansado, para retomar tempos depois com um olhar fresco. Isso era impossível na escrita semana a semana, o que foi muito difícil, mas também libertador em alguma medida, porque aprendi que é possível. E claro, confirmei aquilo que todo mundo que cria sabe: o prazo é a melhor inspiração. Se eu fosse uma pessoa mais sábia, teria incorporado essa velocidade de produção na minha vida rotineira, mas assim como a humanidade não aprendeu nada com a pandemia, eu já voltei aos meus velhos hábitos de demora e procrastinação. Em todo caso, foi bonito voltar à história do Lúpino e do Domingos e ver que, naquele contexto instável em tantos sentidos, eles conseguiram se sustentar.


Acesse aqui a programação completa da edição de 2025 da Feira do Livro de Porto Alegre.

Luís Augusto Fischer

Professor e editor da revista Parêntese.

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