Pular para o conteúdo

O enigma de O Agente Secreto

O enigma de O Agente Secreto
Wagner Moura em O Agente Secreto | Foto: Victor Jucá

Corremos para ver o Agente secreto, filme de Kleber Mendonça Filho, que ganhou em Cannes, na França, os prêmios de melhor direção e melhor ator para Wagner Moura. Tentamos no Sindbancários. Estava lotado. Corremos para o Bourbon Ipiranga, onde nunca vamos. Lá havia lugar de sobra. Vimos. Vai dar para ganhar mais um Oscar? Talvez de melhor ator ou melhor direção. O filme para não cinéfilos deixa algumas dúvidas. Não é uma história tão redonda e fechadinha como a de Ainda estou aqui.

Tem algo que escapa.

Numa comparação esdrúxula, Ainda estou aqui é uma novela feita no capricho, enquanto que O agente secreto é uma obra para quem gosta de referências cinematográficas cifradas e jogos de metalinguagem. Tenho dúvidas quanto ao próprio título do filme: será que a maioria das pessoas sairá do cinema sabendo a razão desse nome? Wagner Moura está muito bem. Uma atuação que exige adjetivos especiais do tipo soberbo ou magnífico.

O enredo confunde bastante uma cabeça mais linear, misturando aspectos folclóricos de Recife, como a história da perna cabeluda, com uma descrição ácida e minuciosa da corrupção da polícia, do aparelhamento do serviço público, da violência dos agentes oficiais e da facilidade de se encontrar um matador de aluguel a bom preço. Em alguns momentos, o cineasta parece se comprazer com uma estética do grotesco, um voyeurismo de necrotério. Por trás de tudo, claro, está o espectro da ditadura militar, com seus aliados civis industriais, espionando, controlando, matando, grampeando telefones, fazendo sumir documentos, interrompendo carreiras.

O diretor recorre também a um dos truques mais em voga no cinema atual: criar pistas que não levam a lugar algum, simular tensão com algum close do rosto de uma personagem, fazendo o espectador crer que dali sairá algo importante para, ao final, perceber que era só uma provocação. O regime militar está inteiro com pano de fundo, vindo à tona em muitos momentos. Até o caso da mulher rica que deixou, não faz muito tempo, o filho da sua empregada doméstica pegar o elevador sozinho, resultando na queda da criança do alto do edifício, foi recondicionada para 1977.

Sem dúvida, O agente secreto é uma crítica social contundente. Só não sei se cairá no gosto do grande público como aconteceu com Ainda estou aqui. Se ganhar um Oscar, o nosso ufanismo catapulta a bilheteria. Gostei ou não do filme? Sim. Um ótimo filme. Fiquei apaixonado? Não tanto.

Nunca vou esquecer? Seria apostar demais. Eu perderia.

Numa linha de raciocínio mais sinuosa e talvez acadêmica, dá para dizer que é um filme sobre memória, perdas, história, fuga, medo e a abuso de interferência do Estado na vida das pessoas por todos os meios.

O texto de divulgação do filme não parece corresponder exatamente ao que se vê. É muito mais a história de um pesquisador que volta para Pernambuco depois de bater de frente com um empresário associado à ditadura do que alguém que retorna para a sua cidade em busca de tranquilidade.

Ter visto o filme no Bourbon Ipiranga, que não se caracteriza como uma sala de cinéfilos, tem uma vantagem: vê-se ao lado de quem, salvo exceção, não vê com olhos de especialista.

A recepção foi fria ou morna.


As opiniões emitidas por colunistas não expressam necessariamente a posição editorial da Matinal.

Juremir Machado da Silva

Juremir Machado da Silva

Jornalista, escritor e professor de Comunicação Social na PUCRS, publica semanalmente a Newsletter do Juremir, exclusiva para assinantes dos planos Completo e Comunidade. Contato: juremir@matinal.org

Todos os artigos

Mais em Opinião

Ver tudo

Mais de Juremir Machado da Silva

Ver tudo