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A livreira e o poeta

A livreira e o poeta
Leonardo Fróes (E) n'A Feira do Livro de São Paulo, com o jornalista Schneider Carpeggiani | Fotos: Acervo pessoal

A primeira vez que vi Leonardo Fróes pessoalmente foi em junho deste ano, na programação d’A Feira do Livro, em São Paulo. É sabido no meio literário que o poeta abandonou a vida corrida na cidade em nome do desejo de estar perto da natureza. Depois de ter morado e trabalhado em grandes metrópoles como Rio de Janeiro e Nova York, ele e sua companheira Regina foram morar num sítio em Petrópolis. E esse dado não é meramente biográfico: a mudança de vida (de paisagem e de ponto de vista) foi um marco em sua produção literária.

Saber que Leonardo Fróes estaria na programação d’A Feira foi um dos motivos que me fez organizar uma ida até São Paulo. Era bem raro ver o poeta (já octogenário) na programação de festas e eventos literários, então eu sabia que aquela era uma oportunidade meio única.

Ele participaria de dois momentos na programação: um bate-papo sobre seus poemas com o jornalista Schneider Carpeggiani e uma conversa com o editor Tarso de Melo sobre as crônicas escritas para jornais sobre a vida junto à natureza.

Depois de vê-lo ler poemas e contar histórias acontecidas no sítio, decidi que pegaria um autógrafo como desculpa para poder trocar algumas palavras com ele. Comprei um novo Poesia reunida (1968-2021) na livraria do evento e entrei na fila que já se formava antes mesmo da conversa terminar.

Quando chegou a minha vez, ele se levantou e me estendeu a mão, num gesto bem formal. Em seguida sentou-se novamente. Entreguei o livro e me abaixei para soletrar meu nome. Mas antes disso, ele me perguntou o que eu fazia da vida. Achei curioso. 

Sou livreira, tenho uma livraria em Porto Alegre – respondi.

Como é o nome da sua livraria? 

Livraria Baleia – respondi. 

Que nome inventivo!

E seguiu o papo de forma bem próxima: disse que admirava muito o ofício de livreiro e que sabia bem como era, porque tinha já tido uma livraria.

Achei que seria uma vida linda e pacata entre os livros, mas na verdade dava muito trabalho – disse, rindo com cumplicidade – daí preferi fechar.

Como era o nome da sua livraria? – perguntei.

Sumatra.

Sumatra? – repeti.

Sim, Sumatra. Peguei de um verso do Jorge de Lima: “Tudo é lícito aqui nessa Sumatra” – recitou.

Àquela altura, vi que as pessoas da fila já nos olhavam um pouco impacientes. O poeta deve ter notado também, porque perguntou meu nome, meio abruptamente, e começou a fazer o autógrafo – esse que aparece na foto.

Leonardo Fróes é meu poeta ideal. Gosto de todos os seus poemas, sem exceção. Quando saiu a Poesia reunida (1968-2021) pela Editora 34, peguei um exemplar na livraria num sábado de manhã e comecei a ler enquanto passava um café na cozinha. Só larguei o livro e saí daquele cubículo sem janelas quando terminei, exatamente 424 páginas depois. Também tomei todo o café enquanto lia. 

Sempre dou este estranho testemunho de leitura quando vou apresentar o Fróes para alguém: quando li a poesia reunida numa só sentada, achei que iria sair voando. Risos. Não sei bem o que isso quer dizer. Café em excesso, talvez. Mas é uma imagem possível para aquele nirvana estético e sensorial que senti com a leitura. Foi um barato mesmo.

Quando inaugurei o clube de assinatura de livros da Livraria Baleia durante a pandemia, com a ideia de seguir fazendo curadoria de leitura apesar do distanciamento social, o primeiro livro enviado para o pessoal da poesia foi o Sibilitz, que tinha sido reeditado pela pequena editora Chão da Feira. Ou seja, Sibilitz era uma das pedras fundamentais de uma boa biblioteca de poesia, ao meu ver.

Procurei depois aquela informação sobre a livraria Sumatra de Leonardo Fróes e não achei em lugar nenhum. É um detalhe menor da biografia de um poeta como ele, certamente. Mas é um detalhe que ele quis compartilhar com uma colega de ex-ofício, como um gesto de cumplicidade. Achei bonito e guardo o autógrafo com muito carinho.

Em 21 de novembro, quando acordei com a notícia da morte de Leonardo Fróes, aos 84 anos, passei o dia triste, como se tivesse perdido alguém importante e próximo. E acho que foi isso mesmo que aconteceu.

As opiniões emitidas por colunistas não expressam necessariamente a posição editorial da Matinal.
Nanni Rios

Nanni Rios

Jornalista, livreira e curadora na Livraria Baleia. Escreve sobre questões de gênero, universo LGBTQAPIN+ e literatura.

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