Mobilidade urbana, meio ambiente e habitação foram os temas que mais mobilizaram os vereadores nas emendas apresentadas ao projeto que cria o Plano Diretor Urbano Sustentável. O texto, protocolado na Câmara em setembro, tramita em uma comissão especial ao lado da proposta da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que integra o mesmo pacote de revisão do Plano Diretor. Juntas, as duas matérias receberam 518 sugestões dos parlamentares.
Maior do que nas últimas revisões de Plano Diretor, o volume de emendas tornou mais remota a possibilidade de votação ainda neste ano, como era a ideia original da presidente da Casa, Comandante Nádia (PL). Seu sucessor, Moisés Barboza (PSDB), que assume o posto em janeiro, calculou que serão necessárias mais de 250 horas de sessão apenas para discutir as emendas.
Vale lembrar que nem todas elas serão necessariamente discutidas de maneira individual. No momento, as propostas tramitam nas sete relatorias da comissão especial do Plano Diretor, que irá votar seu relatório final em 10 de dezembro. O colegiado apresentará um parecer sobre as emendas, que podem voltar para o plenário se forem destacadas. Para isso, é necessária a manifestação de pelo menos 12 parlamentares.
Maioria das emendas é da oposição
O vereador Giovani Culau (PCdoB) foi quem mais sugeriu emendas. Para ele, a quantidade de sugestões protocoladas é resultado do que definiu como “omissões e contradições” que estão postas na redação do Plano Diretor apresentada pela prefeitura. “Fizemos um esforço de exame, artigo a artigo, e foi possível identificar ausências, que nós buscamos corrigir, e as contradições e limites que buscamos fazer as correções.” A temática mais aprofundada pelo parlamentar foi a do meio ambiente. Uma das emendas propostas por Culau visa reconhecer o Guaíba como “sujeito de direito, dotado de valor ecológico, cultural e social próprio”. Na justificativa, o vereador descreve que a medida “promove uma nova relação entre a cidade e suas águas”. No total, a oposição protocolou 231 emendas.
O promotor Cláudio Ari, que coordenou o estudo técnico do Ministério Público que apontou inconstitucionalidades na proposta do Plano Diretor de Porto Alegre, criticou a ausência de foco em sustentabilidade e no meio ambiente: “O Plano não tem nada de sustentabilidade. Parece ser um plano obsoleto”, afirmou à Matinal em agosto.
A Matinal analisou os tópicos das emendas protocoladas ao projeto do Plano Diretor. Na pesquisa, foram identificados ao todo 64 temas distintos.
Principais assuntos das emendas
Dentre as emendas sobre mobilidade urbana, a maioria visa alterar o artigo 34 do Plano Diretor, que versa sobre as estratégias relativas às estruturas da mobilidade. O vereador José Freitas (Republicanos) foi o que mais propôs emendas sobre o tema, 17. Uma delas permite ao transporte público incorporar ao seu sistema, mediante a outorga ou permissão, diferentes modais, como aplicativos, bicicletas compartilhadas e transporte escolar. “Ao definir essa diretriz, a cidade poderá planejar de forma coordenada o transporte público e complementar”, explica a justificativa.
“A ideia é ampliar a flexibilidade do sistema, permitindo que diferentes modais possam se integrar ao transporte público”, resumiu Freitas, à Matinal. “A partir dela, o transporte público poderá integrar outros tipos de modais. Isso é necessário porque o transporte público concorre com serviços de aplicativos que chegam até a porta do usuário, mas esse serviços não passam pelo mesmo nível de fiscalização, controle e segurança. Ou seja, existem modais que são regulamentados, confiáveis e fiscalizados, que podem ajudar a complementar os ônibus, especialmente entrando nos bairros com veículos menores.”
Das 43 emendas que tratam de habitação, 25 foram protocoladas no Fórum de Entidades, onde demandas e sugestões da sociedade civil foram apresentadas por 74 entidades em sete reuniões. No início do ano, o déficit habitacional de Porto Alegre era estimado em pouco mais de 31,7 mil moradias. O cálculo foi feito pela Fundação João Pinheiro, instituição do governo de Minas Gerais que realiza estudos técnico-científicos e projetos de pesquisa aplicada. Para chegar ao número, foram consideradas as situações de moradia precária, coabitação e gasto acima de 30% da renda familiar com aluguel.
Assuntos como adaptação climática, participação popular, construção civil, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, envolto em imbróglios judiciais desde o início do ano, e espaço público são tópicos de, ao menos, 10 emendas localizadas pela reportagem.
De onde vêm as emendas?
A única emenda em comum entre base e oposição é assinada pelas vereadores Juliana Souza (PT) e Cláudia Araújo (PSD). Inclui, no artigo 28, o reconhecimento de terreiros de religiões de matriz africanas como elementos de interesse cultural. Na justificativa, as vereadoras destacaram os terreiros como “espaços fundamentais de preservação da memória, da ancestralidade e da resistência do povo negro”.