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“A Cultura vale menos?”, questiona Hohlfeldt, em meio a impasse que pode fechar Multipalco daqui a 45 dias

Presidente da Fundação Theatro São Pedro conta que vem esbarrando na secretaria de Planejamento para aumentar a estrutura de pessoal. Governo fala em diálogo

“A Cultura vale menos?”, questiona Hohlfeldt, em meio a impasse que pode fechar Multipalco daqui a 45 dias
Conforme Hohlfeldt, a FSTP conta atualmente com 27 funcionários | Foto: Camila Cunha / PUCRS

A Fundação Theatro São Pedro anunciou a suspensão da assinatura de novos contratos do Multipalco para 2026. A medida, na prática, faz com que o espaço não receba programação já a partir de janeiro de 2026. A informação foi publicada inicialmente pela colunista Juliana Bublitz, de GZH, nesta quinta-feira. 

A justificativa para a decisão, conforme o presidente da Fundação, Antonio Hohlfeldt, é em razão da falta de pessoal, cuja quantidade se manteve, apesar da estrutura ter aumentado consideravelmente, com a conclusão das obras no Multipalco, que abriga mais dois palcos, além do icônico do Theatro São Pedro. Além disso, falta diálogo com a Secretaria de Planejamento para resolver o impasse. 

De acordo com Hohlfeldt, já existe um projeto de lei pronto para adequar a questão de pessoal que atua na fundação, de modo a viabilizar o espaço. No entanto, para valer em 2026, o texto precisa ser enviado nos próximos dias à Assembleia Legislativa. 

Em entrevista por texto a Luís Augusto Fischer, o presidente da FTSP explica que já tentava uma solução há semanas, porém sem respostas e conta sobre a rotina e o panorama do Multipalco. Em tom de desabafo, questiona: “A cultura vale menos?”

Leia a entrevista:

Luís Augusto Fischer: É possível dar um quadro geral da situação do quadro funcional da Fundação, algum número?

Antônio Hohlfeldt: Hoje somos apenas 27 pessoas tocando todo o serviço. Até a covid, eram cerca de 60 colaboradores, a maior parte contratados e pagos através da Associação de Amigos, que contratava, estabelecia valores, pagava e depois era ressarcida pelo Tesouro, mediante emissão de nota fiscal. Quando houve o final do convênio, e passada a covid, passamos a contratar através de licitações, que levam tempo, são complicadas, mas que estabelecem preços de mercado. Só aqui, o Estado já começou a deixar de gastar. Mais que isso, o orçamento de 2022 praticamente não foi executado, porque o teatro ficou fechado. Quando reabrimos, o governo não considerou o orçamento previsto, mas o executado, e nunca mais atualizou, ou seja, retomamos as atividades com enorme déficit e assim seguimos. A verdade é que a Secretaria da Cultura (Sedac) sempre garantiu suplementações, nós aumentamos muito o controle de caixa e de entrada de dinheiro via locações e conseguimos equilibrar as coisas. Conseguimos algumas cedências de funcionários técnicos, disponibilizados pelas instituições fechadas pela administração, e que fomos escolhendo a dedo para funções específicas, além de mais dois ou três CCs técnicos, como assessoria de contabilidade e de Direito. 

Mas mesmo nas cedências, as pessoas que vinham para cá perdiam parte de seus salários, porque deixavam de ter direito a alguns valores a mais. E nem recebiam vale refeição. A lei então vigente dizia isso. Conseguimos, com negociações, recuperar o vale refeição, neste ano conseguimos aprovar – depois de dois anos de negociações no Planejamento – a autorização para as cedências, mas muitos dos contratos realizados sob a perspectiva da emergencialidade (covid, enchente etc) não podem mais ser renovados. Ou seja, vamos perder gente de novo, inclusive técnicos de luz e som. É óbvio que, sem eles, não vamos abrir as portas.

LAF: Que caminhos estão postos para resolver? E que obstáculos se apresentam?

AH: Há dois anos montamos uma proposta de projeto de lei, preparado por gente da nossa equipe que integra o quadro administrativo do Estado, estritamente adaptado às duas reformas administrativas recentes que o Estado fez e das quais a Fundação foi excluída, não sei por que – claro, o Planejamento sempre tem uma explicação. Enviamos os documentos, que ficaram em gavetas, ao longo destes dois anos. Há duas semanas, enviaram uma contrapartida humilhante e que nos causou indignação: pela reforma que o Planejamento propôs, secretário de Estado tem estatuto semelhante ao de Presidente de Fundação. Todas as fundações estão assim organizadas, salvo a OSPA e o Teatro. E, para cúmulo, na proposta que nos enviaram, ao invés de nos enquadrarem no código 13, relegaram-nos ao código 12, o que significa que todos os nossos colaboradores devem receber menos que o presidente, e com isso sofrem prejuízos enormes em relação aos seus congêneres das demais fundações. Por que isso?  A cultura vale menos? 

Devolvemos o projeto reiterando nossa discordância e não tivemos mais qualquer resposta. No dia do Funcionário Público, transmitimos nossa discordância à titular do Planejamento que imediatamente sugeriu de marcarmos uma reunião. ESTOU ESPERANDO... HÁ TRÊS SEMANAS... E O PRAZO SE ESGOTA. O último pacote de projetos a ser enviado pelo Executivo ao Legislativo é nesta semana. Nosso projeto PRECISA estar aí, ele deve ser contemplado por justiça e porque, sem ele, não poderemos trabalhar. É simples assim. 

O quadro atual de cargos e funções fala em funções que não existem mais e outras de que não necessitamos, mas não atende ao que precisamos: hoje temos três salas de teatro, mas só temos um diretor administrador. Não é difícil compreender a necessidade do nosso pleito, não é? Mas a desculpa é sempre a mesma: não podemos descumprir o acordo fiscal... e as leis aprovadas na semana passada? Os que foram por elas privilegiados são melhores ou diferentes dos que trabalham no Theatro São Pedro? A saída é bem simples: o projeto por nós proposto está correto, pode ser oficializado e enviado urgentemente à Assembleia Legislativa para votação. Temos certeza de que TODAS AS BANCADAS vão aprová-lo. Se não, vamos fechar as portas.

LAF: Tem como oferecer uma estimativa do que se perde com a suspensão das atividades de 2026 já programadas?

AH: É difícil projetar em valores. Mas o Olga Reverbel e o Simões Lopes Neto apresentam em média cinco espetáculos por semana. As taxas são diferentes, mas recebemos uma média de 600 pessoas de público por uma semana. E os grupos, que são do interior, ou de Porto Alegre, ou do centro do país – teatro, música, dança, fora as oficinas de dança e técnicas de teatro (iluminação, produção, etc.). Mais as atividades da Orquestra, Orquestra Jovem, Companhia de Ópera, Sol Maior. Num dia, passam por aqui cerca de mil pessoas: precisamos de segurança, de pessoal de limpeza, de equipes técnicas, etc. As obras da Usina do Gasômetro estão atrasadas, as dos teatros da Casa de Cultura Mario Quintana também, o Câmara foi terceirizado, são os espaços do Multipalco que recebem a principal produção local. Para janeiro teríamos o Porto Verão Alegre: se não conseguirmos resolver este problema, não vamos ter o festival. São dezenas de grupos e centenas de artistas... milhares de pessoas do público... Por quê? simplesmente porque a Secretária do Planejamento do estado não está fazendo o que lhe compete, que é planejar. Acho que ainda não entenderam que Cultura é parte deste planejamento.


Por meio de notas à imprensa, o governo do estado e a Secretaria de Planejamento mencionaram o diálogo constante, mas não sinalizaram uma solução para o impasse.

Luís Augusto Fischer

Professor e editor da revista Parêntese.

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