Esta reportagem integra a newsletter Climática, produzida pela Matinal com apoio do Instituto Serrapilheira.
Em maio de 2024, uma ferramenta desenvolvida pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG) foi decisiva para a evacuação do Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr, quando as águas da Lagoa dos Patos começavam a superar a cota de inundação de 1,94 metro no cais de Rio Grande. A tecnologia Digital Twin (Gêmeo Digital) permitiu prever o avanço da água pelas ruas da cidade e organizar a transferência de pacientes enquanto ainda era possível acessar o hospital com segurança.
“Esse dado permitiu o melhor planejamento da operação de evacuação do Hospital Universitário da FURG e o resgate seguro da população localizada nas regiões mais atingidas durante o evento”, afirmam os pesquisadores Elisa Fernandes e Glauber Gonçalves no livro RS Resiliência e Sustentabilidade, organizado pela Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do RS, do governo federal.
Pioneiro no Brasil, o projeto liderado por pesquisadores da Universidade Federal de Rio Grande (FURG) desenvolve uma réplica digital da Lagoa dos Patos para monitorar o nível da água em tempo real e simular cenários de eventos extremos.
“O Digital Twin se diferencia de outras tecnologias por combinar dados de observações, modelos numéricos e inteligência artificial para mapear com alta qualidade e precisão o ambiente a ser estudado, criando um ambiente virtual que reproduz o ambiente real e permite rodar previsões sobre o terreno impactado, considerando todas as suas especificidades”, detalha Elisa Fernandes, professora do Instituto de Oceanografia da FURG e coordenadora do Centro Interinstitucional de Observação e Previsão de Eventos Extremos (CIEX) da universidade.
O DT – Lagoa vem sendo desenvolvido desde maio de 2024, articulando dados meteorológicos (precipitação, ventos), oceanográficos (nível) e geodésicos (território) com modelos hidrológicos e hidrodinâmicos e simulações com uso de inteligência artificial. Na enchente de 2024, essa integração das informações forneceu informações sobre o comportamento da lagoa – na qual deságuam vários rios do estado, como o Camaquã, o Guaíba e o Jacuí – ao redor de Rio Grande.

- A) Modelo hidrodinâmico ao redor da cidade de Rio Grande
- B) Previsão do comportamento do nível
- C) Modelo computacional com base nos pontos medidos
- D) Modelo de inundação no dia 16 de maio de 2024, pico da enchente em Rio Grande
- E) Aplicação dos dados para informar condições de tráfego
- F) Um dos linígrafos que disponibilizou dados de nível em tempo real
“Os dados da Rede de Monitoramento de Nível foram disponibilizados à comunidade com resolução horária para o permanente acompanhamento da situação de inundação na cidade e validação em tempo real das previsões das condições de inundação e do modelo hidrodinâmico”, completam os autores do artigo.
Ao todo, 23 professores e 15 bolsistas estão envolvidos no projeto do DT – Lagoa, viabilizado com recursos do edital de Desastres Climáticos da Fundação de Amparo à Pesquisa do RS (Fapergs). No momento, o CIEX trabalha em parceria com a Portos RS para concluir a rede de monitoramento da Lagoa dos Patos por meio de linígrafos – equipamento que mede em tempo real o nível da água – em pontos estratégicos localizados em Arambaré, Rio Grande, São José do Norte e São Lourenço do Sul, municípios afetados de forma recorrente por inundações e alagamentos. A rede conta com um site e deve ser expandida ao longo dos próximos anos. As informações são compartilhadas em tempo real com o poder público.


“Experimentar cenários no ambiente virtual é muito mais vantajoso econômica e ambientalmente do que realizar testes no mundo real”, destaca Fernandes. “Porém, toda nova tecnologia traz grandes desafios operacionais para sua implementação, pois a integração de informações no ambiente virtual, bem como a operacionalização dos modelos numéricos de previsão e a otimização da formatação da apresentação dos resultados obtidos têm que ser desenvolvidas do zero.”. A pesquisadora também integra o Comitê Científico de Adaptação e Resiliência Climática do RS e é assessora técnica da Agência Nacional de Águas (ANA).
Localizado na FURG, o CIEX é responsável por operar o DT – Lagoa e conta com mais de 20 instituições colaboradoras, entre elas a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Agência para o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim (ALM) e a multinacional Pixforce, que dá o suporte para o uso de inteligência artificial e visão computacional, além de outros representantes da sociedade civil, entidades de classe e poder público, incluindo prefeituras.
O CIEX amplia um trabalho desenvolvido pela FURG desde 2023, quando foi criado um Programa Institucional de Avaliação, Prognóstico e Mitigação de Eventos Extremos, voltado a criar protocolos acadêmicos e administrativos para situações extremas. Essa organização prévia contribuiu para a atuação de pesquisadores da universidade durante as enchentes de 2024. Ao longo de 2025, o CIEX tem divulgado boletins sobre o comportamento da Lagoa dos Patos.
Na visão de Fernandes, centros regionais orientados pela produção de conhecimento das universidades são fundamentais para a resiliência de regiões costeiras na emergência do clima. “Esses centros regionais de monitoramento e previsão terão o papel essencial de gerar informações qualificadas, com alto nível de detalhamento e precisão, para as forças de segurança e defesas civis municipais, facilitando a emissão de avisos e alertas para a população e, também, a definição de estratégias de ação para o resgate e preservação da vida e do patrimônio.”