A unidade de Assessoramento Ambiental do Ministério Público (MP-RS) emitiu, na última segunda-feira (6), um parecer que atesta a existência de áreas de vegetação de mata atlântica em estágio avançado de regeneração no terreno em que o Grupo Zaffari e a AZ Empreendimentos Imobiliários pretendem instalar o loteamento Jardim Itália.
O documento conclui que a área de cerca de 50 hectares no bairro Jardim Itu Sabará apresenta mata em estágio avançado de regeneração do Bioma Mata Atlântica, contrariando os estudos usados para o licenciamento ambiental do projeto, que avaliaram de forma inadequada o estágio sucessional da vegetação. Os levantamentos de fauna também foram considerados insuficientes para localizar espécies ameaçadas, segundo o parecer.
Uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) estabelece os diferentes estágios sucessionais para a Mata Atlântica no Rio Grande do Sul, caracterizando áreas de vegetação em estágio inicial, médio ou avançado de regeneração.
“O estágio médio vai de 3 a 8 metros de altura, e o estágio avançado tem vegetação de mais de 8 metros”, explica o biólogo Paulo Brack, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vereador suplente pelo PSOL. Brack enviou um parecer ao MP-RS apontando a existência de árvores de até 13 metros de altura no local.
“A limitação para construções é máxima em áreas de estágio avançado de floresta. Só é permitido em casos de obras de utilidade pública. Nos estudos para licenciamento, incluíram tudo como estágio médio. Isso representa um rebaixamento dos estágios sucessionais, que permite a supressão, contornando a resolução do Conama”, afirma Brack. Ele ainda diz ter encontrado espécies ameaçadas de extinção, como cedro e canela-preta, que não constavam nos estudos das empresas. “Essas árvores só ocorrem em estágio avançado”.
O parecer é assinado pelo biólogo Luciano da Rocha Correa e pela analista em biologia do MP Rosane Vera Marques, e destinado ao promotor Felipe Teixeira Neto, da Promotoria de Justiça de Defesa de Meio Ambiente de Porto Alegre.
Em dezembro de 2024, a Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do MP começou uma investigação do grupo Zaffari quanto à construção.
Técnicos do MP atualizaram parecer de abril
O parecer do MP mais recente foi motivado pelo recebimento de novos documentos relativos ao licenciamento ambiental do terreno. As empresas responsáveis se manifestaram enviando os estudos técnicos ambientais. O professor Paulo Brack também enviou ao MP um parecer técnico.
Em abril deste ano, um parecer da mesma unidade já havia sido emitido em regime de urgência, mas a conclusão foi de que não havia indícios suficientes para atestar que a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo (Smamus) tinha feito um diagnóstico inadequado quanto ao estágio sucessional da vegetação.
Mas o documento de abril já indicava erros no manejo de fauna, e apontou a possibilidade de reconsiderar a viabilidade do empreendimento por conta da flora – em razão de um butiazal feito de espécies ameaçadas de extinção.
Em agosto, os técnicos do MP realizaram uma vistoria no local para avaliar o estágio sucessional da vegetação. Foi observada vegetação arbórea “rica e desenvolvida” na área do terreno que conta com uma nascente. A vistoria trouxe elementos para a avaliação que permitiram “formar convicção contrária ao entendimento firmado pela Smamus e pelo empreendedor”, conforme o parecer.
Segundo os profissionais que assinam o documento, “foi possível verificar que ao menos parte da área era composta de vegetação de mata nativa de Bioma Mata Atlântica em estágio avançado de regeneração (inclusive sofrendo supressão)”.
Os estudos técnicos iniciais usados para o licenciamento apresentavam indícios de equívoco, já que a área enquadrada como de estágio médio tinha árvores com média de altura de 8 metros – “se um ponto com estas características [estágio avançado] foi considerado como estando em estágio inicial de regeneração, qual é a confiança que se pode ter quanto à interpretação dos outros pontos amostrados?”, questionam os biólogos do MP.
O parecer aponta ainda a necessidade de proporcionar ambientes de fuga para a fauna silvestre. Em janeiro deste ano, graxains foram capturados fugindo da área, exemplo da necessidade de cuidado com o manejo das espécies animais.
Em seguida, no mês de fevereiro, o movimento SOS Floresta do Sabará procurou o Ministério Público para se manifestar sobre o caso. Conforme reportagem da Matinal, moradores da região denunciaram a morte de um bugio-ruivo no local, o que levantou questionamento sobre os impactos da obra.
As amostragens de fauna do licenciamento, de acordo com os biólogos, ocorreram em períodos curtos, em 2020, sem que fosse realizada uma busca de espécies mais raras ou ameaçadas.