O município de Porto Alegre foi intimado a explicar quais medidas tomou com relação aos arquivos urbanísticos afetados pela enchente de 2024 no prédio da antiga Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov). O ofício foi enviado pelo Ministério Público na última semana, após o fim do prazo de 90 dias para o cumprimento da primeira cláusula do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado por prefeitura e MP. A resposta é esperada até o final de novembro.
No início deste ano, a Matinal mostrou que a prefeitura chegou a informar ao público que todos os arquivos urbanísticos armazenados na Smov, chamados de Expedientes Únicos, haviam sido perdidos. Ao fim, a prefeitura reconheceu que, na verdade, apenas cerca de 40% do material tinha sido de fato afetado pela enchente. As pastas com os expedientes contêm informações sobre o histórico dos imóveis, como projetos e liberações, e formam um histórico de cerca de cinco décadas na capital. São insumo, em especial, para profissionais como arquitetos e engenheiros.
O MP atuou no caso entre o ano passado e o primeiro semestre de 2025. Em julho, um TAC foi assinado, acertando a elaboração de um inventário sobre quais arquivos foram ou não comprometidos. Em um prazo de 90 dias, que venceu em 3 de outubro, o município se comprometeu com o cumprimento da primeira das oito cláusulas do documento, que determinava a reorganização física dos documentos – que estavam desorganizados em ambiente insalubre – e a elaboração de um plano de intervenção nos documentos atingidos no segundo andar do prédio, “para fins de higienização e preservação do acervo”.
Além disso, conforme a primeira cláusula, quaisquer intervenções no acervo deverão ser previamente autorizadas pelo comitê gerencial do Sistema de Arquivos de Porto Alegre (Siarq). Em caso de descumprimento, a Justiça fixa um prazo e o município corre o risco de pagar uma multa.
À Matinal, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) – que gerencia o acervo – disse que a recuperação dos documentos está a cargo da Secretaria Municipal de Administração e Patrimônio (Smap). Equipes da Smap já realizaram a intervenção prevista, segundo a resposta enviada à redação. Um parecer só poderia ser realizado posteriormente ao término do trabalho – em 25 de julho, o Siarq atualizou sobre o trabalho e mencionou que o acervo estava em “estado crítico”. Técnicos ligados ao Siarq devem enviar um relatório técnico à Smamus, documento que, após, será encaminhado ao MP.
“A equipe já realizou a reorganização física de um terço dos documentos. O plano de intervenção elaborado iniciou o inventário dos documentos que segue com a identificação e classificação dos documentos avariados. Também está em andamento o plano de Classificação e Tabela de Temporalidade e planeja-se a digitalização da documentação”, complementou a Smamus, por meio de nota, em resposta aos questionamentos da redação.
A digitalização foi um processo iniciado em 2020, ainda na gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), mas que não chegou a ser concluído. Não foi informado o quanto do conteúdo já foi digitalizado. À época, a estimativa era de que o arquivo continha 240 mil pastas. Cada uma referente a um imóvel da capital. As condições estruturais do prédio da Smov – sem uso desde 2022 – também não são propícias ao trabalho. A Matinal também questionou a respeito dos mapas que estavam arquivados na Smov, mas não houve resposta específica sobre essa questão.
Acesso foi liberado, mas futuro do arquivo está indefinido
De acordo com a Smamus, o acesso aos expedientes únicos foi restabelecido com a assinatura do TAC. Conforme uma fonte, que colabora com a Matinal desde o início desta cobertura e prefere não se identificar, houve uma melhoria significativa com relação aos acessos aos documentos desde o início das reportagens. Segundo a profissional, ao contrário da situação que ocorria no início do ano, agora existe uma lista dos documentos que foram perdidos. No caso dos processos físicos, é possível agendar uma consulta na própria Smamus ou mesmo a retirada temporária do arquivo.
Com relação ao futuro, ainda não há uma definição a respeito do local que armazenará o acervo. Segundo a Smamus, a destinação das pastas físicas remanescentes “segue em deliberações no âmbito de uma ação conjunta entre Smap e Smamus”.