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Amor proibido na colônia alemã

Um romance delicado e envolvente de Henrique Schneider

Amor proibido na colônia alemã
Reprodução

Era no tempo dos primeiros tempos, ainda que os verdadeiros primeiros tempos já tivessem ficado para trás. Talvez fossem os primeiros tempos da modernidade, da modernização, do salto para a frente em relação ao desenvolvimento tecnológico, mas não necessariamente quanto ao comportamento e aos valores morais vigentes.

Era nesses primeiros tempos de novas tecnologias, que cada tempo tem as suas, mas os fundamentos da vida eram os de sempre, arquetipais, emocionais, arcaicos, eternos: amor, cobiça, inveja, medo. O sociólogo francês Michel Maffesoli define a pós-modernidade como a sinergia da tecnologia de ponta com o arcaico dos afetos.

A internet para namorar, por exemplo.

Quem sabe todos os tempos são, ao mesmo tempo, pré-modernos, antimodernos, modernos, pós-modernos, hipermodernos e sentimentais!

Em A memórias das rosas (L&PM), Henrique Schneider retoma o tema do amor proibido num ambiente conservador e vigiado pela comunidade inteira e faz dele, pela delicadeza do trato, uma sonata.

A palavra que define o romance de Henrique Schneider, finalista do Prêmio Jabuti com Contramão (Bertrand Brasil) e Prêmio Paraná de Literatura com Setenta (Não Editores), é delicadeza. Suavidade.

Ao perfume das “rosas do rei”, cultivadas por uma mãe sufocada e roubadas por uma filha em busca de ar, o conflito se estabelece, as placas tectônicas da colônia alemã da primeira metade do século XX se movem, os espíritos se chocam, os corpos de descobrem, o amor se dá.

Uma adolescente que amava Brahms. Uma professora que não cabia no figurino das tradições dominantes. Uma comunidade que queria avançar sem perder a metafísica dos seus alicerces. Eis o cenário.

O resto é uma maneira de contar: sem pressa, sem alarde, sem elevar a voz. Cada linha tem algo de contido e de discreto. O leitor percebe o que vem, mas não pode se antecipar ao relato, que flui no seu ritmo, na sua pegada, quase sussurrando, cochichando segredos.

Literatura é, antes de tudo, forma. Pode-se contar uma velha história com uma forma nova. Pode-se contar uma nova história com uma forma velha. Pode-se contar, o que é raro, uma nova história com uma nova forma. O importante é capturar o leitor, assinar com ele um pacto, fazê-lo crer numa verdade de mentira, aprisioná-lo na trama.

Henrique Schneider agarra o seu leitor. Não o esgana. Tampouco o engana. Contenta-se em atraí-lo com suas “roses du roi”. É o suficiente. Entra-se no clima, mergulha-se numa atmosfera de desejo.

Amores proibidos pagam um preço alto pela ousadia de acontecer. Quem, amando romances, não sofreu com os amores proibidos de Julien Sorel em O vermelho e negro, de Stendhal, e não lamentou o seu final? Amores unidos podem, como as águas de um regato, desviar-se de obstáculos, contornar barreiras, contar com a astúcia do acaso.

É muito difícil conter o avanço dos tempos. O romance de Henrique Schneider pode ser visto como uma ode à força do amor e também como um relato, uma crônica sobre o vigor das forças sociais.

Dá até para partir da letra de As time goes by, “é sempre a mesma história, a luta pelo amor e pela glória”, e dizer: “É sempre o mesmo embate, a luta entre a tradição e a modernidade”. No caso, o mais moderno é o mais antigo: o amor, a paixão. Quem vence?

As opiniões emitidas por colunistas não expressam necessariamente a posição editorial da Matinal.
Juremir Machado da Silva

Juremir Machado da Silva

Jornalista, escritor e professor de Comunicação Social na PUCRS, publica semanalmente a Newsletter do Juremir, exclusiva para assinantes dos planos Completo e Comunidade. Contato: juremir@matinal.org

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