Por muito tempo a ABL se quis branca, mesmo tendo um mestiço entre os seus fundadores, Machado de Assis, e longe do povo.
Cultura era coisa de elite, de gente de “bom gosto”, sendo que bom gosto era o gosto de quem tinha o poder de definir o gosto de todos, que fingiam acreditar e iam criar coisas belas fora do gosto oficial. Os tempos mudaram, outros ventos passaram a soprar e a ABL demorou a reagir.
A ABL foi branca e masculina por muito tempo. A casa da criatividade e do talento não soube ir além do seu tempo. Seguiu a média dos costumes e legitimou preconceitos por falta de visão.
Só agora as mudanças começam a realmente acontecer.
A autora de um Defeito de cor, Ana Maria Gonçalves, mulher de nação, tomou posse falando “pretuguês”, a língua com alma usada nas ruas e nas comunidades brasileiras com raízes no continente africano.
A ABL deveria ser ABN: Academia Brasileira de Notáveis. Todos os que estão lá são notáveis em alguma área: tem grande médico, grande atriz, grande economista, grande compositor e cantor, grande erudito e uns grandes escritores como Milton Hatoum, autor do maravilhoso Dois irmãos. A França tem a Academia Francesa. Sem qualificativos.
Lenta, a ABL vem passando por diversificação. O jornalista Merval Pereira, dono de vastos espaços na Rede Globo, deu visibilidade à casa na condição do seu presidente mais bem posicionado na mídia.
Fernanda Montenegro, Gilberto Gil e Ruy Castro deram ar pop à ABL. Ruy Castro é um grande autor de biografias, que são grandes reportagens com estilo literário. Ruy, porém, está cada vez melhor na crônica de jornal. Pegou o jeito: leveza, ironia, ceticismo e humor.
A Academia ainda tem uma dívida com Conceição Evaristo. Não interessa se ela não fez campanha como deveria quando se candidatou, ou seja, não pediu votos de porta em porta. Ela precisa estar lá.
Conceição Evaristo é uma grande escritora. Vai bem na poesia e na prosa. Fala do Brasil real, que conhece por experiência de vida.
Romance bom precisa fazer rir e chorar. Só rir não basta. Só chorar pode virar folhetim. Dois irmãos, de Hatoum, faz rir, sorrir, gargalhar, chorar, choramingar e soltar palavrões. Tem ritmo e alternância: não se esgota na cadência de uma só musicalidade.
Não é todo dia que um romance consegue essa proeza de fazer rir e chorar. Uns querem tanto fazer chorar que acabam engraçados. Outros se dedicam tanto a fazer rir que dá vontade de chorar de pena.
Um romance extraordinário tem uma grandeza impalpável, uma força interna capaz de dominar o leitor e submetê-lo ao ritmo do autor. Aos poucos, a linguagem ganha densidade, a narrativa se enrosca no leitor, a história dobra esquinas imprevistas e tudo se avoluma como um rio.
Estou avisando para que ninguém reclame depois: enquanto a Conceição Evaristo não entrar, eu não me candidato. Está dito.
Afinal, sou notavelmente brasileiro: um Silva.