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O Roubo no Louvre: Profecias Autorrealizáveis?

Parêntese #306

Uma reportagem publicada no Le Monde em 25 de novembro mostra como uma auditoria de segurança solicitada pela direção do museu pode ter servido de roteiro para os ladrões. O texto a seguir reproduz alguns trechos públicos da reportagem do Le Monde, material do site de um conhecido jornal de Grenoble, o Le Dauphiné Libéré, e de um jornal online chamado atlantico.fr, sobre o qual não temos muitas informações.

O Le Monde começa o texto com certa poesia: "O Louvre não superou o roubo que lhe custou, em 19 de outubro de 2025, joias da Coroa da França, furtadas na galeria de Apolo. O maior museu do mundo parece até condenado a 'beber o cálice até as borras' (boire le calice jusqu'à la lie é uma expressão muito francesa, que significa sofrer uma pena ou humilhação até as últimas consequências). De fato, pensava-se que já se sabia tudo sobre as falhas flagrantes do estabelecimento em matéria de segurança. O Senado, o Tribunal de Contas e o Ministério da Cultura haviam denunciado publicamente a incompetência de seus responsáveis, considerados culpados de negligência. No entanto, nem tudo havia sido revelado.

Segundo informações do Le Monde, uma auditoria de segurança realizada em 2018 pela famosa joalheria Van Cleef & Arpels para o museu havia identificado com muita precisão, como ponto de vulnerabilidade, a varanda utilizada pelos ladrões e o possível uso de um elevador de carga para acessá-la. A justiça parisiense, responsável pelo caso, até a presente data não tinha conhecimento deste relatório, que no entanto poderia abrir uma nova pista para os investigadores sobre possíveis mandantes que tenham se beneficiado do vazamento deste documento.

Em 2018, enquanto a Prefeitura da Polícia de Paris e as grifes de luxo da capital estavam preocupadas com o aumento dos roubos, especialmente no bairro do Louvre, a direção do estabelecimento, então a cargo de Jean-Luc Martinez, encomendou uma auditoria a especialistas renomados: a diretoria de segurança e proteção da Van Cleef & Arpels. O presidente do museu já havia recebido, um ano antes, um relatório preocupante sobre o mesmo tema, do Instituto Nacional de Altos Estudos da Segurança e da Justiça. Considerando suas conclusões, ainda que alarmistas, demasiado genéricas, esperava desta vez recomendações precisas que permitissem realizar obras para proteger melhor os tesouros nacionais.

A auditoria da Van Cleef & Arpels havia justamente identificado as mesmas vulnerabilidades que as exploradas para o espetacular roubo de outubro de 2025: janelas não seguras, vidros quebráveis, ausência de detecção confiável em algumas salas, pontos cegos na videovigilância, pontos de acesso pouco ou nada vigiados, e ausência de um sistema de alerta resistente para uma invasão noturna. O relatório recomendava "obras urgentes", com reforço dos vidros, modernização dos alarmes, redistribuição das câmeras, estabelecimento de um guarda 24 horas por dia, 7 dias por semana. Mas nada – ou quase nada – foi realizado.

O documento esquecido constitui um elemento-chave da responsabilidade moral – e talvez jurídica – do museu. Para muitos, é a admissão de um laxismo culpável.

O Le Dauphiné confirma que o relatório de 2018 previa explicitamente um cenário de "roubo com invasão noturna via janela" – o mesmo método utilizado pelo grupo. O paralelo é perturbador: o que se acreditava ser um "ato audacioso e excepcional" corresponde a uma vulnerabilidade conhecida há muito tempo.

Na Assembleia Nacional, deputados responsáveis pela cultura não ocultaram seu espanto. Em uma carta dirigida ao ministério da Cultura, eles falam de uma auditoria "devastadora" seguida de uma "inação incompreensível". Para eles, não apenas o museu é questionado, mas o conjunto das políticas de proteção do patrimônio nacional, consideradas desconectadas da realidade. Paralelamente, fontes próximas à investigação revelaram a outros órgãos de imprensa que vários altos responsáveis do museu – alertados em 2019 sobre os riscos – haviam sido informados por escrito da urgência das obras, mas sem sucesso. Suas cartas e alertas internos são hoje esmiuçados como provas de uma cadeia de negligências.

Se a sombra da responsabilidade institucional se amplia, a investigação judicial, por sua vez, se acelera. Na terça-feira, 25 de novembro, foram anunciadas quatro novas prisões pelos serviços de polícia, elevando o número total de suspeitos para seis. Segundo o Le Figaro, esses indivíduos seriam especialistas em receptação de joias e revenda internacional, já fichados por delitos relacionados a roubos e tráfico transnacional.

A investigação judicial aberta por "roubo em quadrilha organizada com invasão e receptação agravada" poderia ganhar um novo capítulo de "colocar em perigo o patrimônio nacional por falta de segurança voluntária", se for comprovada a responsabilidade do museu, estimam alguns juristas. Nesse caso, o Estado, por meio do museu, poderia ser questionado. O caso supera, na realidade, o simples roubo, e põe à prova a credibilidade das instituições patrimoniais francesas. Num momento em que o museu deve representar a excelência, a segurança, a memória coletiva, a ideia de que uma joia do patrimônio possa ser saqueada com a ajuda de um relatório ignorado suscita indignação. Para a comunidade científica e as associações de proteção do patrimônio, é um alerta claro de que a preservação dos tesouros nacionais não pode mais depender da boa vontade, mas exige compromissos concretos. Muitos pedem agora uma auditoria generalizada de todos os museus e monumentos públicos, um plano de segurança nacional – "o patrimônio não é um alvo possível, mas um bem a proteger".

No seio do Louvre, esses elementos enfraquecem um equilíbrio institucional já afetado pela dimensão do roubo. Vários agentes entrevistados pela imprensa mencionam um mal-estar antigo em torno dos recursos alocados para a segurança, enquanto o ministério da Cultura deve agora responder a questionamentos mais amplos sobre o estado geral da proteção do patrimônio nacional. A questão supera, de fato, amplamente o maior museu parisiense: se um relatório que prefigurava um roubo de tal dimensão pôde ficar sem seguimento, é toda a cadeia de decisão que resulta questionada.

O caso, que já provocou múltiplos desdobramentos, vai se estender, provavelmente, em várias frentes, seja judicial, administrativa ou política. A auditoria redescoberta age como um revelador, forçando a revisitar os anos anteriores ao roubo e a compreender por que alertas tão explícitos não suscitaram uma reação proporcional. Enquanto as joias roubadas continuam sem aparecer, a questão da prevenção e da governança dentro dos estabelecimentos culturais se impõe agora como um grande desafio do debate público. A direção do Louvre assegurou ao Le Monde que só havia tido conhecimento do resultado desta auditoria depois do roubo. Isto é, quatro anos depois da chegada de Laurence des Cars à frente do estabelecimento: ela sucedeu a Jean-Luc Martinez, presidente do Louvre de 2013 a 2021, e que havia encomendado a auditoria. A direção atual do museu afirmou ao diário que os documentos da auditoria "não haviam sido comunicados durante a mudança de direção, no outono de 2021". Jean-Luc Martinez, com quem não se conseguiu contato, não logrou efetuar um terceiro mandato à frente do Louvre, como desejava. Desde então, está sendo investigado em um caso de tráfico de antiguidades, mas nega toda responsabilidade e proclama sua inocência.

Segundo o Le Monde, a vulnerabilidade particular apresentada pela varanda da galeria de Apolo estava precisamente descrita. Uma das infográficas apresenta inclusive a varanda rodeada por um círculo para dissipar qualquer dúvida sobre sua localização. Os autores do relatório insistem na janela que dá para o cais François-Mitterrand, qualificada como "um dos maiores pontos de vulnerabilidade do estabelecimento". Segundo a direção atual do Louvre citada pelo jornal, a auditoria foi "transmitida à Inspeção Geral de Assuntos Culturais" para ser incorporada às investigações em curso. Mas a divulgação da existência desta auditoria revela outra inquietação: os mandantes — não identificados — e/ou os executores, teriam tido conhecimento do relatório? A pergunta se coloca, diante das semelhanças entre o cenário descrito e o roubo real deste outono.

A notícia não teve grande repercussão fora da França, e não foi mencionada pela imprensa brasileira, mais ocupada com outro "affaire" judicial, devido a tentativa do ex-presidente Bolsonaro de queimar a tornozeleira eletrônica que garantia sua prisão domiciliar, o que motivou sua posterior transferência para uma cela no edifício-sede da Polícia Federal. No entanto, a notícia publicada pela imprensa francesa contém elementos que podem dar material para alguma minissérie, e no elenco está um ex-diretor de museu, acusado de tráfico de antiguidades, que pede uma auditoria e não a usa para melhorar a segurança, além da diretora atual Laurence des Cars, portadora de um sobrenome nobre com ancestrais que participaram das Cruzadas dez séculos atrás e que, apesar de seu rosto de professora do ensino médio, foi diretora do outro museu famoso de Paris, o Musée d'Orsay, de 2017 a 2021, sendo nomeada em 1º de setembro de 2021 a primeira diretora mulher do Louvre em toda a história do museu – foi ela quem teve a iniciativa de contratar, em setembro de 2024, a primeira encarregada de segurança do Louvre na história do museu, Dominique Buffin, o que foi considerado um marco. Citando novamente o Le Monde: "Nunca uma mulher havia ocupado este posto eminentemente estratégico. Desde 17 de setembro, Dominique Buffin, de 45 anos, é a responsável pela segurança do museu [...] Um verdadeiro símbolo: pela primeira vez em sua história, o museu mais visitado do mundo está protegido por uma mulher".

É claro que não vão faltar comentários machistas sobre o fato de o Louvre ter sido roubado sob o nariz de duas mulheres. No entanto, poderíamos suspeitar de que estas duas mulheres foram vítimas de uma conspiração, na qual o relatório de segurança, depois de ser ignorado pelo diretor Martínez durante seu mandato, desaparece entre 2021 e 2025 para reaparecer justamente agora.

O desfecho, se houver, veremos na Netflix.

As opiniões emitidas pelo autor não expressam necessariamente a posição editorial da Matinal.

José Roberto Iglesias

Nascido na Argentina, é professor emérito da UFRGS, com atuação nos departamentos de Física e Economia.

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