Eu estava procurando uma expressão adequada para qualificar a Câmara dos Deputados na atual legislatura. Pensei em “Casa da mãe Joana”.
Trata-se de uma velha fórmula. Não sei quem foi a mãe Joana. Imagino que tenha sido a dona de algum bordel. A Câmara é governada por homens.
Nessa reflexão, passando de bordel a lupanar, cheguei ao óbvio: casa de tolerância. Outro nome muito usado para descrever os chamados cabarés.
A Casa de Tolerância situada em Brasília aprovou numa madrugada, horário de funcionamento de bordéis, uma passada geral de borracha nas penas dos golpistas comandados pelo agora presidiário Jair Bolsonaro.
Golpe de Estado, como se sabe, na América do Sul, sempre foi moeda corrente. Se fracassa, pede perdão pela pacificação do país e tudo bem.
Que ideia foi essa de botar na cadeia um ex-presidente da república, alguns dos generais e outros assessores civis por um golpezinho fracassado?
Aí já seria revanchismo, ressentimento, despeito, etc.
Assim, a Câmara dos Deputados encomendou pizza para todo mundo.
O pessoal fala assim: “Não roubaram nada...”. O patrimonialismo não dá bola para democracia, Estado de Direito, essas coisas abstratas.
Na noite seguinte, a Câmara dos Deputados, casa suprema de tolerância interessada, salvou a cara da deputada Carla Zambelli. Não lhe cassou o mandato. Ela está presa na Itália. Foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil por ter contratado um hacker para inserir um mandato falso de prisão no sistema de justiça contra Alexandre de Moraes, nada menos do que um dos ministros do STF, a nossa suprema corte.
Em outra condenação, foi punida por ter perseguido de arma na mão um homem, algo que o Brasil inteiro viu na televisão e não pode esquecer.
Esses dois crimezinhos não quebram o decoro parlamentar? Não ferem a ética prevista para o desempenho de representante do cidadão brasileiro?
Em casa de tolerância, não. Tudo se tolera nos parceiros de ideologia. O “condominion” da direita na Câmara dos Deputados entendeu que a deputada condenada precisa de um voto de confiança. Afinal, ela jura que é inocente e que está sendo perseguida pela “ditadura do judiciário”.
A Casa de Tolerância da Câmara dos Deputados é uma caixinha sem surpresa. Tem muitas bancadas de causa própria. Neste ano, tentou se blindar contra investigações aprovando uma lei pela qual qualquer ato desse tipo teria de ser previamente autorizado por ela mesma. O Senado derrubou.
A falta de vergonha é um bem em alta na Câmara dos Deputados. A turma é tão hábil que, depois de esfarrapar a imagem do político e da política, inventa candidatos antipolíticos e os elege para simular novidade.
O novo outsider seria o governador de São Paulo, o bolsonarista de carteirinha Tarcísio de Freitas. Flávio Bolsonaro, lançado candidato à presidência da república pelo pai, avisou que sua desistência tem preço.
Todo mundo entendeu. O preço é tirar Bolsonaro da cadeia. Como a direita quer Tarcísio como candidato, mexeu-se para pagar o resgate.
Paga com os votos do contribuinte.
Tem um paradoxo: nunca houve tanto intolerante numa casa de tolerância.
Aí Alexandre Moraes foi lá e colocou ordem na casa.
Cassou a decisão em favor de Zambelli.