Era o grande insulto que se podia fazer a alguém quando eu era guri em Palomas: chamar de sem vergonha. Depois disso, só FDP. Difícil levar político e política a sério no Brasil, este país que não suporta dogmas, princípios e regras gerais.
A Câmara dos Deputados trabalhou rápido para desmoralizar o STF, que condenou Jair Bolsonaro e seu bando por tentativa de golpe de Estado e outros crimes contra a democracia.
Se houve crime, o perdão veio rápido. O que era grave ficou quase sem importância. Furtar barrinha de chocolate é muito mais atentatório aos valores da nação. Sem qualquer constrangimento, a Câmara dos Deputados aprovou uma lei prêt-à-porter, feita sob medida para o capitão presidiário Bolsonaro e seus generais brancaleones.
Um crime foi engolido pelo outro e tudo virou paçoca.
Jair Bolsonaro mexeu uma peça decisiva no tabuleiro: nomeou seu filho, o intragável Flávio Bolsonaro, candidato à presidência da república em 2026. A direita sentiu cheiro de derrota e tratou de se mexer.
Flávio avisara: a desistência tinha preço, aliviar a prisão do pai. O pagamento veio rápido. Agora falta o Senado. Lá o preço tende a ser mais caro, mas o presidente da casa, Davi Alcolumbre, já avisou que não pretende atrasar a quitação de qualquer dívida. Vai ou racha.
Na mesma noite em que amoleceu para os golpistas, a Câmara dos Deputados adotou um protocolo de ditadura para resolver um probleminha interno: cortou o sinal de televisão, expulsou a imprensa do plenário e mandou tirar a força o deputado Glauber Braga, ameaçado de cassação, da cadeira do presidente da casa, o fantoche com gel Hugo Motta.
Ele não contava com os celulares, que registraram o mico em detalhes. Não faz muito, deputados de direita sequestraram a mesma cadeira por dois dias e até hoje não foram punidos. Assim como não foram cassados três deputados que fugiram para o exterior e não apareceram mais para trabalhar: Carla Zambelli, presa na Itália, Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem, foragidos nos Estados Unidos.
Quem votou para colocar água nas penas contra golpistas passou atestado de que era a favor do golpe. Política não é para coerentes. Esse Hugo Motta, que preside a Câmara com tanta desfaçatez, teve apoio do PT para se encastelar no posto que ocupa. Coisas da tal governabilidade. No Brasil, o crime depende de quem o pratica.
Golpe de esquerda certamente exigiria endurecimento das penas. Golpe de direita requer tratamento oposto. Afinal, os patriotas só queriam o bem do país, com escolas cívico-militares, aulas de moral e cívica, grupos de WhatsApp para espalhar fakenews e tetas para mamar.
O mundo estava encantado com a rapidez brasileira em julgar golpistas. Vai ficar impressionado com a rapidez ainda maior em perdoá-los.
A anistia mudou de nome: agora se chama dosimetria.
Opera em três etapas azeitadas: primeiro se diminui a pena, depois se concede prisão domiciliar, o que logo evolui para o regime semiaberto e, se o lado golpista vencer as eleições, converte-se imediatamente em indulto presidencial. Tentar dar golpe, compensa.
É só soluçar que o alívio logo vem.