A contratação do Instituto Alicerce para oferecer aulas no contraturno escolar na rede municipal de ensino foi suspensa na tarde desta segunda-feira (6) pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). A medida cautelar é assinada pelo conselheiro Estilac Xavier a partir de um processo com pedido de tutela de urgência movido pela direção de controle e fiscalização do tribunal.
A auditoria encontrou uma série de irregularidades na contratação por R$ 75,5 milhões da organização da sociedade civil feita pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) no início de julho. Na decisão, Estilac responsabiliza diretamente o secretário de educação de Porto Alegre, Leonardo Pascoal, e recomenda que a cautelar seja encaminhada ao Ministério Público (MP-RS), à Câmara de Vereadores e à Procuradoria-Geral do Município (PGM).
Em resposta à Matinal, a Smed informou que tomou conhecimento da cautelar. “Cabe ressaltar, que o Município não foi previamente notificado para prestar esclarecimentos antes da medida, o que limitou o exercício do contraditório e da ampla defesa. Diante do risco de prejuízo aos mais de 2 mil alunos já atendidos pelo programa, a Prefeitura através da Procuradoria Geral do Município irá analisar detalhadamente o exposto e recorrerá da decisão para garantir a continuidade das atividades”, afirma a secretaria em nota. O nota ainda destaca que o Alicerce atua desde fevereiro de 2024 na rede municipal, e afirma que o termo de fomento seguiu a legislação vigente.
Desde a contratação do Alicerce pelo Smed em julho, a associação de trabalhadores de Porto Alegre (Atempa) e o Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) se pronunciaram contra a metodologia da organização que contrata profissionais sem formação pedagógica para aulas de reforço escolar.
Em agosto, uma reportagem da Matinal trouxe depoimentos de ex-tutores da Alicerce que relataram casos de assédio e desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente. O Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) protocolou ação no MP-RS denunciando irregularidades no andamento do processo de contratação do Instituto Alicerce.
Proposta aprovada antes do envio
A cautelar de Estilac Xavier descreve uma sequência de atos administrativos alheios à lei e a decretos na contratação do instituto. O primeiro foi a assinatura do termo de fomento, celebrado antes mesmo do término do prazo para credenciamento de entidades.
A Alicerce e outras quatro organizações enviaram seus documentos em abril – o credenciamento foi publicado no dia 17 desse mês. A Alicerce, segundo o TCE, enviou a proposta de trabalho bem depois dessa etapa, em 6 de junho, às 18h55min. Curiosamente, sua proposta já havia sido aprovada. Designada para avaliar os projetos, a comissão técnica deu parecer favorável à proposta da Alicerce às 18h07min de 6 de junho, 48 minutos antes do recebimento da proposta, como a própria Procuradoria Geral do Município (PGM) identificou.
A pressa na escolha do Alicerce voltou a aparecer novamente na etapa seguinte. O período de término do credenciamento de empresas interessadas estava previsto para 31 de julho, mas o termo com o Instituto Alicerce foi celebrado em 3 de julho, 28 dias antes do prazo.
O conselheiro considerou que o descumprimento rompeu com a isonomia do processo.
Estilac ainda pontua que as demais organizações cadastradas foram desconsideradas sem que a Smed tornasse públicas as avaliações de cada uma das inscritas. Não se sabe como elas pontuaram segundo o edital.
A cautelar determina ainda um processo de investigação do secretário municipal de educação, Leonardo Pascoal, e da Comissão de Avaliação de Parcerias por Dispensa de Chamamento Público. Essa comissão foi definida previamente para avaliar os inscritos no edital. Entretanto, somente dois dos membros da comissão que assinaram o parecer favorável à contratação do Alicerce haviam sido formalmente designados à época da autorização, em 6 de junho. Os outros três assinaram sem estar empossados.
Para driblar esse atraso, foi feita uma portaria de nomeação com efeitos retroativos a 2 de junho, o que é irregular. Em 23 de junho, a comissão novamente reitera a vantagem de contratação da Alicerce, mas não avisa a PGM da decisão.
A manifestação da comissão empossada retroativamente foi usada pelo secretário Leonardo Pascoal para embasar a dispensa de chamamento público. E, em 3 de julho, 28 dias antes do fim do prazo previsto no edital, às 18h30min, Pascoal firmou despacho, no qual declarou superados todos os apontamentos da PGM e autoriza a formalização do termo de fomento com a OSC. Uma hora depois, às 19h34 do mesmo dia, assina o termo.
Outro problema apontado na decisão é o valor fixado indevidamente. Conforme o edital, os R$ 75,5 milhões seriam destinados para o atendimento de 10.162 estudantes pelo período de 18 meses. Mas só participam das atividades de contraturno estudantes cujas famílias manifestarem interesse, ou seja, o edital não define um número de alunos correspondente ao valor.
“É surpreendente que um ajuste em que há o dispêndio de R$ 75.509.560,16 em 18 meses tenha sido assinado apenas uma hora após a autorização, o que é incompatível com a necessária cautela na elaboração das cláusulas do termo de fomento”, aponta Estilac Xavier. “Todos os fatos acima descritos sinalizam para a existência de graves irregularidades nos procedimentos adotados pelos novos integrantes da Comissão de Avaliação de Parceria por Dispensa de Chamamento Público e pelo Secretário Municipal de Educação de Porto Alegre.”
Além da suspensão do termo de fomento, Estilac Xavier determina a substituição dos integrantes da comissão de Seleção e Credenciamento de Chamamento Público da Smed. Também impede que o secretário de educação celebre termos de fomento deste edital até o julgamento do mérito do processo.
Sebastião Melo e Pascoal foram intimados para prestar esclarecimentos em até 30 dias, bem como os membros da comissão nomeados pela Smed.
*A reportagem foi atualizada às 09h30 de 07/10 para incluir a nota da Smed