Tem um chiste que diz em forma de pergunta: queres que eu desenhe? Pois os professores e arquitetos Helton Bello e Merino Xavier resolveram desenhar as belezas de uma cidade que vive um processo de negação, de visível autoflagelo. Com as lentes apuradas do fotógrafo Ricardo Calovi, produziram Porto Alegre, Arquitetura e Contexto Urbano (editora Libretos), lançado na Feira do Livro. Verdadeiro presente de Natal.
Na última coluna ironizei o presente que o Prefeito Melo e a Comandante Nadia queriam dar para o Mercado Imobiliário. Não ficou pronto a tempo, felizmente! Que tal dar esse guia com as 154 obras que o compõem? Vá que o Mercado se apaixone pela cidade e desista dos seus espigões. Não custa tentar...
É Natal, vou dar uma trégua, sem mais ironias. Deixo essa luta indigesta para o ano que vem. O que eu quero é falar do trabalho primoroso de pesquisa, redação e excelente padrão gráfico desse livro. Não tínhamos nada parecido em amplitude e qualidade. A cidade agradece. Agora temos documentado em livro aquilo que principalmente forasteiros não se cansam de apontar: um riquíssimo patrimônio de arquitetura construído.

Durante um bom tempo servi de guia turístico-arquitetônico para artistas, arquitetos, amigos e parentes que nos visitavam a trabalho ou turismo. Deles, ouvia, de forma unânime, elogios à qualidade urbanística e arquitetônica da cidade. A baixa altura das edificações, o patrimônio eclético e art-decô, a arborização intensa e, claro, a beleza da orla e a ondulação suave dos morros faziam hóspedes ilustres suspirarem. Nunca vou esquecer a expressão de regozijo de Richard Serra tomando chopp no Chalé da Praça XV ou das exclamações de entusiasmo de David Libeskind diante do nosso patrimônio eclético.
Se eu tivesse sido metódico, anotando o nome de cada personagem e suas impressões, hoje teria um calhamaço de depoimentos que nos ajudariam a proteger o que ainda está de pé.
A opinião de forasteiros sempre vale mais... Teria colecionado depoimentos espontâneos como o que recebi do arquiteto paulista Samuel Kruchin, depois de tê-lo presenteado com o livro:
“Sim, é um guia, e não nos indica apenas percursos e edificações, mas vai além, nomeia um lugar, quando reúne – assim mesmo, re-unir – o que estava, para mim, e talvez para muitos, disperso, ausente de autores e de reconhecimento de seu significado e importância. Nomeia o que eram espaços de vida, de vivência sensível, para este gaúcho estrangeiro que sou, e que agora ganham a força do entendimento, a clareza da história, a fruição de sua particular beleza tornando-se inteligível. Explicita uma identidade, Porto Alegre, dá contorno a ela e mostra um patrimônio muito presente ainda e muito rico, de grande qualidade e força. Esse espírito percebo também na luz das fotografias: é a luz do sul, uma luz levemente fria, muito gaúcha.”
A sugestão está dada, presenteie ou presenteie-se com Porto Alegre para reavivar o amor pela cidade. Ano que vem vamos precisar da força dos enamorados para defendê-la. Por enquanto, boas festas.