*Reportagem atualizada às 13h15 de 06/11/2025 para incluir detalhamento da Smed sobre recursos destinados ao programa. Nova atualização em 10/11 às 11h30 para incluir retorno da Alicerce
O Instituto Alicerce, organização da sociedade civil (OSC), poderá voltar às atividades de contraturno nas escolas municipais de Porto Alegre, mas de maneira provisória. A decisão é do Tribunal de Contas do Estado (TCE), assinada pelo conselheiro Estilac Xavier, que julgou o agravo interposto pela prefeitura após a determinação do tribunal de suspender o contrato com a organização em 6 de outubro.
Estilac Xavier rejeitou o agravo, mas liberou o restabelecimento do contrato, desde que seja elaborado um termo aditivo para ajustar os valores pagos à Alicerce pela prefeitura. Estilac afirmou que só devem ser pagos valores proporcionais à quantidade de alunos.
Até o momento, a prefeitura pagou duas parcelas que somam R$ 9 milhões e disse ter atendido 2 mil alunos em dois meses. Isso significa que foram pagos R$ 4.600 por aluno atendido no contraturno no período. “Deve ser disciplinado no ajuste, também, que o pagamento seja pelo número efetivo de alunos atendidos”, conclui o relator
Na decisão, Estilac menciona que constam duas parcelas pagas ao instituto no valor de R$ 4.704.891,44 e R$ 4.498.518,72, no Portal da Transparência. Segundo ele, tudo indicaria que os montantes se referem ao total de alunos previsto, que é de 10.162 estudantes, conforme o plano de trabalho. Mas, até o momento, a PGM informou que apenas 20% do número máximo de estudantes foi atendido.
“Sopesando a importância do atendimento às crianças, entendo ser plausível o restabelecimento do termo de fomento celebrado com o Instituto Alicerce, até o término do ano letivo em curso. Para tanto, faz-se necessária a celebração de termo aditivo ao ajuste, com o estabelecimento do valor da hora-aula (que segundo a recorrente é de R$ 16,15), a previsão do número de horas-aula diário e do número de dias da semana. Deve ser disciplinado no ajuste, também, que o pagamento seja pelo número efetivo de alunos atendidos”, escreveu o conselheiro na decisão.
A Secretaria Municipal de Educação (Smed) informou que as aulas foram retomadas nesta quarta-feira (5) e seguirão normalmente, de acordo com o planejamento previsto. “As equipes do Instituto Alicerce já estão em contato com as unidades escolares e as famílias dos estudantes serão comunicadas diretamente sobre o retorno das ações”, disse, por meio de nota.
Quanto ao ingresso de novos alunos no contraturno, a Smed disse que “a captação é feita pela própria Alicerce, conforme interesse das famílias e disponibilização de vagas por escola”. Ou seja, não há garantia de atender o total previsto porque a adesão é voluntária. A pasta afirmou, em nota, que "o valor da implantação é de R$ 4.704.891,44". A parcela é única para os 18 meses de parceria. "Depois de finalizada a implantação, a OSC presta contas e se for identificada irregularidades ou não for utilizado todo o recurso, precisa devolver", disse a Smed.
De acordo com a pasta, o pagamento previsto pelo termo de fomento inicial era calculado pelo número de turmas efetivamente atendidas. "Pois entende-se que o número de profissionais envolvidos para o atendimento independe do número de estudantes na turma", afirmou a Smed. Quanto ao determinado pela decisão de Estilac, a pasta disse estar encaminhando para assinatura termo aditivo que estabelece o cálculo por número de estudantes atendidos.
PGM criticou prazo estabelecido pela própria prefeitura
Em 6 de outubro, o TCE suspendeu o contrato da prefeitura com a Alicerce após identificar uma série de irregularidades no edital.
O Instituto Alicerce foi escolhido e celebrou termo de fomento com a Smed antes mesmo do término do prazo para credenciamento de empresas interessadas. O prazo para credenciamento era 31 de julho, mas no dia 3 do mesmo mês, o Alicerce já havia assinado o contrato. Para Xavier, isso constitui uma violação do marco regulatório das organizações da sociedade civil (OSCs).
A lei federal 13.019 e o decreto municipal 21.870 determinam ainda que devem ser adotados critérios “transparentes, isonômicos e objetivos para classificação dos interessados”. Mas as demais empresas que se credenciaram não puderam verificar sua pontuação nos critérios definidos pelo edital.
A PGM alegou, no recurso, não ser necessário aguardar o término do prazo do edital para escolher a empresa. Segundo Xavier, a PGM afirmou ainda que o prazo extenso para credenciamento poderia prejudicar o andamento do projeto. “Diga-se que, se o prazo para credenciamento foi extenso, o que a recorrente alega que poderia prejudicar o andamento do projeto, assim o foi porque a Administração estabeleceu. Não pode o Tribunal de Contas aceitar uma inconformidade para suprir demora que foi gerada pelo próprio órgão auditado”, conclui o conselheiro.
Outro problema se refere ao plano de trabalho: a comissão técnica da Smed aprovou o termo de fomento com o Alicerce antes mesmo que a pasta recebesse o plano de trabalho da organização – e apenas três horas após serem provocados pela chefia. Além disso, o parecer foi assinado por cinco funcionários, mas somente dois haviam sido previamente designados como membros da comissão de avaliação. Os demais assinaram o documento sem designação formal. A PGM não recebeu o processo antes de celebração do termo de fomento, o que também contraria os ritos previstos na lei.
Uma vez autorizado pela comissão técnica, levou apenas uma hora para o termo ser assinado pelo atual secretário, Leonardo Pascoal. Para Estilac, “todos os fatos acima descritos sinalizam para a existência de graves irregularidades nos procedimentos adotados pelos integrantes da segunda Comissão de Avaliação de Parcerias por Dispensa de Chamamento Público (nomeada retroativamente).”
Na nova decisão, o conselheiro autoriza Pascoal a retomar o processo de credenciamento de novas empresas, desde que oportunize a todas as credenciadas prazo para apresentação do plano de trabalho. Deve ser nomeada também uma nova comissão de avaliação de parcerias por dispensa de chamamento público. A PGM deve receber o processo previamente, assim como o TCE, que analisará o processo antes da celebração de um novo termo.
Alicerce enviou mensagem contra TCE
Com a suspensão das atividades nas escolas devido à medida cautelar expedida pelo TCE no início de outubro, a Alicerce encaminhou mensagens via WhatsApp para os pais dos alunos matriculados no projeto. Sobre a mensagem, Estilac escreveu:
“Causa espécie o seu teor desrespeitoso, por afirmar que a decisão de concessão da cautelar contém informações falsas, dá a impressão de ter motivações políticas, e ainda pelo fato de que na comunicação há a divulgação dos e-mails funcionais deste Conselheiro Relator e do Presidente do TCERS”, escreveu.
Tivemos acesso à mensagem enviada na íntegra. Confira a seguir:
COMUNICADO DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO PROGRAMA PORTO DO SABER
Queridas famílias, é com muito pesar que informamos que hoje fomos notificados formalmente da decisão do TCE/RS pela suspensão imediata das atividades do Porto do Saber.
As informações colocadas na decisão infelizmente são falsas e não procedem.
O maior exemplo disso é que eles afirmam que a Prefeitura pagaria por 10 mil vagas sem ter certeza de quantos efetivamente frequentariam, quando o contrato claramente define que a Prefeitura só pagaria por turmas efetivamente abertas e com alunos.
Ficamos muito surpresos com essa decisão, que não ouviu nem a Prefeitura e nem o Instituto Alicerce, afetando a vida de mais de 2 mil famílias neste momento.
Sinceramente, nos dá a impressão de ter motivações políticas e ficamos tristes em ver a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, que tem sido tão séria e competente na condução do programa, sofrer um ataque injusto desse tipo.
O Instituto Alicerce atua em mais de 20 cidades em todo o Brasil, e sempre com o mais elevado padrão ético e de qualidade.
Pedimos às famílias que estavam gostando do Porto do Saber que façam sua voz ser ouvida para que o TCE reverta rapidamente essa decisão!
Instituto Alicerce
O Alicerce encaminhou ainda os endereços de email de Estilac Xavier e do presidente do TCE, Marco Peixoto.
Solicitamos um posicionamento do Instituto Alicerce. Em resposta à Matinal, disse: “O Instituto Alicerce não tem nenhum comentário a fazer. Atensiosamente (sic).”