A prefeitura de Porto Alegre encaminhou à Câmara Municipal um projeto de lei complementar que institui o Marco Regulatório do Sistema Municipal de Fiscalização, cria a Secretaria Executiva de Fiscalização (Sefis) e altera o plano de carreira dos agentes municipais de fiscalização.
O projeto vincula a nova pasta à Secretaria Municipal de Segurança (Smseg). O objetivo do novo sistema é centralizar as ações de fiscalização municipal em um único órgão, visando aumentar a eficiência, capacitação e padronização das atividades. Atualmente, os agentes exercem poder de polícia administrativa e estão distribuídos em diferentes áreas da administração municipal.
Entre suas funções estão a averiguação do funcionamento do comércio e da indústria, o acompanhamento de denúncias de descarte irregular de resíduos, a fiscalização de obras em lotes particulares, o recolhimento de mercadoria imprópria para consumo, a inspeção de denúncias de maus-tratos de animais e demais responsabilidades de fiscalização vinculadas às secretarias, autarquias e empresas públicas municipais.
A gestão Sebastião Melo (MDB) afirma que “o texto do projeto foi construído em diálogo com servidores, técnicos e diferentes órgãos municipais”. Entretanto, de acordo com integrantes da Associação dos Agentes de Fiscalização Municipal de Porto Alegre (Aafim), as manifestações dos servidores não foram consideradas. Segundo Adelto Rohr, que atua como agente de fiscalização da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Eventos (Smdete), a prefeitura indicou apenas que haveria uma unificação, ainda no primeiro mandato de Melo. “O assunto rodou e ficou escondido na nossa rotina. Ninguém sabia se aconteceria ou não”, relata.
Eventualmente, os servidores foram convidados para a construção da proposta, mas as sugestões da categoria foram descartadas, segundo Rohr. “A chefia pediu para cada servidor: ‘Quem tem contribuição, me manda’. Tudo o que foi mandado foi desconsiderado”, afirma. A chefia dos agentes municipais é de responsabilidade da diretora geral de fiscalização, Lorecinda Abrão. Rohr acredita que a centralização dos pedidos para Abrão visava impedir a articulação dos servidores.
A Matinal tentou contatar a diretora mas não obteve resposta.
O diretor financeiro do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Assis Olegário, também critica a falta de diálogo com a categoria. “O artigo 37 muda profundamente a carreira do agente fiscalizador municipal, e nós não sabemos exatamente o que vai acontecer”, afirma.
Ele também afirma que a última reunião do sindicato com a prefeitura sobre o tema foi em 2023. “Tivemos duas reuniões em 2023 e lá nós mostramos contrariedade. Na época, não foi apresentado um projeto específico. Eles ficaram de discutir com a categoria, mas depois disso não fomos mais chamados”, conta Olegário.
Novo sistema não foi apresentado aos servidores
Para a Aafim, a unificação pode ser benéfica, mas as mudanças no padrão salarial são insuficientes quando comparadas às alterações no plano de carreira e nas atribuições dos agentes. “Hoje, os agentes fiscalizam, por exemplo, as atribuições do órgão em que estão lotados, como Indústria e Comércio. Agora, vai aumentar as atribuições e vai aumentar o grau de responsabilidade. Esses fatores tinham que ser levados em consideração para formar o padrão salarial”, explica o presidente da associação, Juarez Silva.
A proposta da prefeitura apresenta um vencimento inicial de R$ 4.188,09 para os agentes. Para Silva, o padrão “é inferior do que a fiscalização do caso merece com todas essas atribuições.”
A matéria também prevê a implantação do sistema eletrônico FiscPOA. De acordo com Rohr, o sistema ainda não foi apresentado aos servidores: “Estão tocando um sistema que a gente não tem a mínima ideia do que tem. Não sei o que ele faz. Eu só vi o nome”, declara, fazendo referência à divulgação da prefeitura. O projeto enviado à Câmara de Vereadores define que todas as demandas fiscalizatórias recebidas pela secretaria deverão ser cadastradas no sistema eletrônico.
Outra preocupação dos agentes está no uso de câmeras corporais. Silva contesta o uso do dispositivo em ambientes hospitalares: “O fiscal sanitário vai entrar em um hospital com a câmera ligada. E a privacidade das pessoas?”, questiona.
A Matinal questionou a Smseg sobre o uso das câmeras corporais e sobre as funções do sistema FiscPOA, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto.
Em meio às reclamações dos servidores, o projeto não tem data para chegar ao plenário. De acordo com o vereador Idenir Cecchim (MDB), líder do governo Sebastião Melo na Câmara, é improvável que a matéria seja votada ainda em 2025. Conforme ele, existem outras “pautas que ocuparão estes dois últimos meses do ano”. Duas delas são os projetos relacionados ao Plano Diretor.
Quadro de funcionários atual tem mais de 200 vagas não preenchidas
A proposta prevê extinguir os cargos de agentes de fiscalização das diversas secretarias e realocá-los para a Sefis. Dados do quadro de funcionários obtidos no Portal da Transparência municipal revelam que dos 393 cargos disponíveis, apenas 101 estão ocupados.

Na administração direta, que possui 350 vagas, 93 agentes municipais estão atuando em sete secretarias (veja acima). O Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) possui 38 vagas, mas apenas oito agentes estão atuando no órgão. Já o Departamento Municipal de Habitação (Demhab) possui cinco vagas, mas nenhuma está preenchida.
O último concurso público para agente de fiscalização municipal foi realizado em 2008.
Detalhes do projeto
O projeto estabelece dois eixos de fiscalização. O primeiro, econômico e sanitário, envolve a fiscalização da atuação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Eventos, da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) e da Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria (SMTC). A atuação se dá em bares e restaurantes e outros comércios de alimentos, trabalho atualmente feito pela Vigilância Sanitária – parte da atual fiscalização da SMS. A transparência da administração pública também entra nesse eixo.
O segundo é o eixo urbano, ambiental e patrimônio histórico, cultural e artístico. Este envolve a atuação das secretarias de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), de Obras e Infraestrutura (SMOI), Mobilidade Urbana (SMMU), de Desenvolvimento Humano (SMDH), da Cultura (SMC) e da Secretaria Municipal de Governança Cidadã e Desenvolvimento Rural (Smgov). Também inclui três autarquias: o DMLU, o Demhab e o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). O Gabinete da Causa Animal (GCA), vinculado diretamente ao poder executivo, também integra o eixo. Essa configuração, conforme o texto, busca a fiscalização de um mandato amplo, tratando de pastas ambientais, mobilidade urbana, habitação, limpeza urbana, água, esgotos e outros.
Além da Sefis, a prefeitura propõe que o Sistema Municipal de Fiscalização seja composto pelo Centro Integrado de Coordenação de Serviços da Cidade (Ceic), pela Central 156, pela Coordenação da Defesa Civil Municipal, pela Guarda Municipal e pelo Serviço de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor municipal (Procon).