Por dois votos a um, o Tribunal de Contas (TCE) decidiu manter a medida cautelar, em julgamento realizado na tarde desta terça-feira (4), que impede a publicação do edital da parceria público-privada para a reforma de 99 escolas estaduais.
A conselheira substituta Ana Moraes votou para manter a cautelar, junto com o relator, o conselheiro Estilac Xavier. Moraes havia pedido vistas do processo em setembro; Roberto Loureiro foi o único que divergiu. O edital para seleção da empresa que assumirá essas atividades só poderá ser publicado após o julgamento definitivo do TCE.
O edital deve passar por novas avaliações da equipe de auditoria do tribunal. A Procuradoria-Geral do estado (PGE) não pode interpor novos recursos. À Matinal, a PGE afirmou que “ainda não foi intimada da ação e avaliará as medidas cabíveis oportunamente”. Na sessão desta terça-feira, a PGE foi representada pelos procuradores Lívia Sulzbach e Tiago Bona.
Em dezembro, o conselheiro do TCE Estilac Xavier expediu uma medida cautelar em regime de urgência que impede a publicação do edital até serem esclarecidos problemas apontados no projeto. Em fevereiro, outro recurso já havia sido interposto pela PGE. Em julho, Xavier decidiu pela manutenção da medida, e o governo de Eduardo Leite (PSD), por meio da PGE, ingressou com um agravo de instrumento, que foi agora indeferido.
Ainda resta a análise do mérito do projeto. A chefia de gabinete do conselheiro Estilac Xavier informou à Matinal que “quanto à análise do mérito, o expediente encontra-se em tramitação aguardando análise de esclarecimento e, posteriormente, análise do Ministério Público de Contas.”
Quase meio milhão de economia após auditoria
Em seu voto, a conselheira Ana Moraes destacou a importância da auditoria do TCE. “De acordo com a equipe de auditoria, os apontamentos feitos já levaram a uma redução de R$ 485 milhões no somatório das contraprestações mensais previstas para a PPP”, apontou. “Esses dados, por si só, revelam a importância do controle externo”, completou.
Além de decidir pela manutenção da cautelar, Moraes solicitou ao conselheiro Estilac Xavier que encaminhe novas sugestões e pedidos de esclarecimentos ao governo estadual. Ainda em 2024, o Serviço de Auditoria de Engenharia e Desestatizações do Estado (Saede) do TCE apontou que, para definir os custos das reformas nas escolas, há necessidade de realizar estudos de engenharia aprofundados e de corrigir as planilhas orçamentárias que foram anexadas ao processo.
Segundo Moraes, essa parte ainda não foi atendida pelo governo Leite. No recurso protocolado, o governo afirma que “a maioria” das solicitações da equipe de auditoria foi cumprida. Para a conselheira, o fato de nem todas as solicitações terem sido atendidas prova que o edital não está pronto para publicação.
“Ainda restam pendências, inclusive reconhecidas no recurso de agravo, já que ‘maioria’ não significa totalidade, além daquelas que poderão surgir quando do exame da relatoria e do Ministério Público de Contas”, avaliou.
A conselheira ainda solicitou que a equipe de auditoria avalie a razoabilidade e proporcionalidade dos critérios usados para selecionar as 99 escolas que serão atendidas pela PPP. Como a Matinal mostrou em setembro, a maioria das instituições da lista da PPP não está entre as com piores índices socioeconômicos, um dos critérios que faz parte do RS Seguro – programa que o estado diz ter usado para selecionar as escolas.
O risco de interferência na autonomia pedagógica das equipes diretivas, como relataram diretores e especialistas à Matinal, foi outro ponto de destaque no voto de Ana Moraes. A PGE afirmou, no recurso, que ao não publicar o edital, a população vulnerável dos alunos de escolas estaduais, que estudam em “edifícios em condições infraestruturais insatisfatórias, o que reflete no aprendizado e desenvolvimento pedagógico” estaria prejudicada. Para Moraes, o argumento contradiz a afirmação do próprio governo Leite de que não há interferência da PPP, que visa questões estruturais, na autonomia pedagógica das instituições.
Outro ponto abordado por Ana Moraes em seu voto foi em relação à participação pública no processo. Segundo a conselheira, a PGE só protocolou documentos da consulta pública e da audiência pública da PPP no processo do TCE em 21 de outubro – a solicitação havia sido feita há mais de um ano, em agosto de 2024. Em seu voto, ela apontou que somente analisando esta documentação, de forma “mais detida”, será possível atestar se há ou não interferência na autonomia pedagógica das escolas.
“Se haverá reflexo na aprendizagem e no desenvolvimento pedagógico para os próximos 25 anos, maior ainda deverá ser a cautela ao aprovar um projeto que respeite as diretrizes e regras educacionais, para além do apelo de que não há empecilho para seguir com licitação e contratação”, concluiu a conselheira.
CPERS considera o edital inviável
Em setembro, o Cpers passou a participar do processo no TCE como amicus curiae. Na audiência desta terça-feira (4), o advogado Jorge Luiz de Souza foi um dos representantes do sindicato, que celebrou o voto da conselheira Ana Moraes.
“O TCE apontou várias circunstâncias em que a Seduc (Secretaria Estadual de Educação) não teve condições de reparar ou modificar. O que temos, de modo geral, é um edital que abre espaço para empresas privadas obter muito lucro, a partir de empreendimentos que hoje já são realizados pelo estado”, avaliou Souza.
Em entrevista à Matinal em setembro, a presidente do Cpers, Rosane Zan, destacou que, com autonomia pedagógica, os diretores de escolas seriam os responsáveis adequados para decidir quais reformas devem ser realizadas em cada escola. “Imagina o que as direções das escolas não fariam de melhorias se pudessem contar com esses 4,3 bilhões de reais”, questionou, em referência ao valor dos 25 anos da concessão a ser desembolsado pelo estado.
Para o setor jurídico do Cpers, o edital da PPP é inviável. “Os procedimentos que seriam feitos por uma eventual vencedora da licitação já são feitos pelo estado, com custo menor. Se todas as defasagens do edital forem sanadas, não haverá empresa interessada – porque aí não haverá lucro”, diz Souza.