Novidade nesta revisão do Plano Diretor, o projeto de Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) recebeu 119 emendas dos vereadores de Porto Alegre. A maioria delas é relacionada com as propostas de zoneamento apresentadas pela prefeitura, o que, em determinadas áreas, irá permitir prédios de mais de 100 metros de altura.
Nesta quarta, a Comissão Especial do Plano Diretor na Câmara deverá votar o relatório final, definindo quais emendas seguirão para discussão e votação no plenário. Independente se forem rejeitadas ou aprovadas pela comissão, cada uma delas poderá ser discutida no plenário, caso haja apoio de, no mínimo, 12 vereadores.
A exemplo do levantamento que realizou com o projeto do Plano Diretor, a reportagem da Matinal busca analisar algumas das emendas protocoladas. Além da questão do zoneamento, que recebeu 21 emendas, a volumetria das edificações (18 emendas) também foi um dos temas que mais apareceram no conteúdo proposto pelos parlamentares. Outros assuntos, como meio ambiente e drenagem urbana, também surgiram com maior frequência.
Discussão sobre alturas
O projeto da LUOS regulamenta um novo zoneamento em Porto Alegre, cada qual com um regime urbanístico, chamado de Zona de Ordenamento Territorial (ZOT). Ao todo, são 16 ZOTs na cidade. Nelas, está a definição do limite de altura de cada área, tema que vem permeando as discussões nas diferentes etapas de revisão do Plano Diretor, que se arrastam desde 2020.

A emenda nº 13 da vereadora Cláudia Araújo (PSD), por exemplo, garante que nenhuma alteração em demais legislações municipais flexibilize as alturas máximas estabelecidas no atual Plano Diretor nos bairros Chácara das Pedras e Três Figueiras – pela proposta do município, passarão para 60 metros no novo regramento. Na justificativa, Araújo defende que a emenda visa “preservar as características urbanísticas e paisagísticas dos bairros”.
Outra sugestão que versa sobre a altura é a emenda nº 24, de Jessé Sangalli (PL), que aumenta o limite de nove para 21 metros (equivalente a sete andares) nas ZOTs 1 e 2. A ideia vai na contramão do que a própria prefeitura havia pensado, como consta no relatório final da audiência pública do Plano Diretor, mantendo a “forte identidade morfológica delas e o baixo potencial de transformação” de ambas as ZOTs. Ainda assim, de acordo com Sangalli, a emenda busca “incentivar a construção vertical, mantendo a densidade”.
A ZOT 1 é integrada pelos bairros: Aberta dos Morros, Agronomia, Belém Velho, Boa Vista do Sul, Camaquã, Campo Novo, Cascata, Cavalhada, Cel. Aparício Borges, Chapéu do Sol, Extrema, Glória, Hípica, Jardim Isabel, Lageado, Lomba do Pinheiro, Nonoai, Partenon, Pedra Redonda, Pitinga, Ponta Grossa, Restinga, Santa Tereza, Sétimo Céu, Teresópolis, Tristeza, Vila Conceição, Vila João Pessoa, Vila Nova, Vila São José.
A ZOT 2 é integrada pelos bairros: Aberta dos Morros, Arquipélago, Belém Novo, Belém Velho, Cristal, Espírito Santo, Guarujá, Hípica, Ipanema, Lami, Nonoai, Partenon, Passo da Areia, Ponta Grossa, Praia de Belas, Restinga, Serraria, Teresópolis, Tristeza, Vila Assunção, Vila João Pessoa, Vila São José.
Taxa de permeabilidade do solo: entre mais dispensas e exigência
Determinados artigos também receberam mais atenção dos parlamentares. O trecho do projeto de lei que mais recebeu sugestões foi o artigo 77, que trata das situações em que pode acontecer dispensa do atendimento da taxa de permeabilidade, que mede a proporção de área permeável em relação à área total do terreno. Como o próprio nome sugere, seu uso visa garantir a presença de espaços verdes e áreas permeáveis nos projetos, além de colaborar com a drenagem de águas pluviais, reduzindo alagamentos.
O texto original autoriza essa dispensa em quatro situações. A emenda nº 101, proposta por Sangalli, por exemplo, prevê mais outra exceção: “Quando o aumento da área construída ocorrer sobre um terreno já ocupado, o cálculo da taxa de permeabilidade será realizado apenas levando em consideração à ampliação realizada, desconsiderando a área já impermeabilizada”. Na justificativa, Sangalli afirma que a inclusão do parágrafo é “fundamental” e que a alteração evita “a necessidade de reavaliar todo o terreno existente a cada pequena intervenção”.
Por outro lado, a emenda nº 35, de autoria do mandato de Giovani Culau e Coletivo (PCdoB), também direcionada ao artigo 77, visa retirar um inciso que garante a dispensa automática da taxa no Centro Histórico, que foi uma das áreas mais afetadas pela enchente do ano passado. Para Culau, a manutenção da exigência é essencial para “promover a drenagem sustentável, preservar a função ecológica do solo urbano e fortalecer a resiliência climática”.
Vereadores que protocolaram emendas
Ao contrário do projeto do Plano Diretor, no caso da LUOS foi um vereador da base do governo, Jessé Sangalli (PL), quem mais protocolou emendas – foram 29 ao todo. Em quantidade, ele é seguido pela petista Juliana de Souza (24) e por Giovani Culau (PCdoB), autor de 14 emendas. Ao todo, 19 parlamentares protocolaram, no mínimo, uma emenda à LUOS.
Além das dos parlamentares, outras 11 emendas foram protocoladas no Fórum de Entidades, momento da revisão em que demandas e sugestões da sociedade civil foram ouvidas. No total, 74 entidades participaram das discussões. Assim como no Plano Diretor, o principal alvo de sugestões do fórum foi habitação, com duas emendas apresentadas sobre o tema.
Principais assuntos das emendas
Entre o fim do “urbanismo de desconfiança” e o “atropelo” na discussão
Apesar do volume de alterações protocolado, Sangalli rasga elogios ao que foi apresentado pela prefeitura: “Minhas emendas visam simplificar e dar segurança jurídica a determinados pontos da minuta original, nada que contrarie a espinha dorsal do projeto”, comentou à Matinal. “Abandonamos um urbanismo baseado na desconfiança, na burocracia excessiva e na rigidez normativa, para abraçar um modelo de planejamento estratégico, dinâmico e baseado em evidências”, acrescentou.
Relator-geral da comissão especial do Plano Diretor, Sangalli, ao contrário de diversas entidades, exaltou o conteúdo dos projetos do Plano que tramitam na Câmara: “A revisão do Plano Diretor e a nova LUOS não representam apenas uma atualização legislativa ordinária, mas uma verdadeira refundação do pacto urbanístico da cidade, na visão deste relator”.
Na oposição, Juliana de Souza criticou a revisão conjunta dos projetos e a velocidade com que ambos tramitam na Casa. “Infelizmente, a forma atropelada como as propostas do Plano Diretor e da LUOS têm sido conduzidas simultaneamente na Câmara acaba empurrando este segundo projeto para um plano secundário”, afirmou à Matinal. “A LUOS é tecnicamente complexa e exige um nível de compreensão que hoje não está sendo garantido nem para a população, nem para parte dos próprios vereadores, que não tiveram tempo suficiente para se apropriar do tema;”
Protocolados conjuntamente, as propostas chegaram à Casa em 12 de setembro. A ideia inicial da presidente Comandante Nádia (PL) era de colocá-los em votação em 8 de dezembro. Nas últimas duas revisões do Plano Diretor, entre o protocolo do texto da prefeitura e a votação final dos vereadores, transcorreram-se mais de dois anos.
Para Souza, a LUOS “deveria estar integrada ao próprio Plano Diretor”. “A decisão da Prefeitura de separar as leis é uma forma de flexibilizar o regramento de uso e ocupação do solo, tentando evitar que ele passe pelo mesmo processo rigoroso de revisão do Plano Diretor previsto no Estatuto da Cidade”, opinou. “Além disso, a proposta enviada não tem robustez: boa parte de seus instrumentos é remetida a ‘regulamentos’ futuros, esvaziando o conteúdo de uma lei que deveria ser estruturante para a cidade. O número expressivo de emendas que apresentamos é consequência natural de um projeto que, da forma como está, simplesmente não se sustenta e tem o potencial de piorar muito a vida de quem vive na cidade.”