Sob gritos de “vergonha, vergonha”, pedidos da oposição para o projeto ser mais debatido e notas de repúdio de entidades, o PL 439/2025 foi aprovado por 35 a 10 na tarde desta terça (9). Os votos contrários foram dos partidos de esquerda, como PT, PSOL e PCdoB. De autoria do executivo estadual, o projeto prevê qualificar as organizações sociais (OSs) e abre a possibilidade para a privatização e fim das fundações.
Entre seu envio à Assembleia Legislativa e a votação, passaram-se apenas 33 dias e não houve tempo de audiências públicas ou debates na Casa. O executivo enviou ao parlamento gaúcho uma semana antes da crise no Multipalco, quando o agora ex-presidente da Fundação Theatro São Pedro (FTSP) Antônio Hohlfeldt denunciou a falta de diálogo com o governo Leite e de pessoal para manter a programação no espaço.
O PL 439 foi enviado em meio a um pacote de projetos e trancava a pauta a partir do dia 9 de dezembro, oito dias antes do recesso legislativo.
Depois da votação, o deputado Miguel Rossetto classificou a aprovação como “um desastre para o estado do Rio Grande do Sul”, disse à Matinal.
Para Rossetto, há risco de favorecimento na transição entre gestões públicas e privadas. “A escola pública será transferida para uma organização social, amigo ou amigo de uma secretária ou de um diretor da Secretaria de Educação. A Fundação Theatro São Pedro acaba e quem vai gerenciá-lo é uma organização social, provavelmente, de um amigo, de uma amiga do secretário de cultura”, disse. Antes da votação, Rossetto havia dito que o governo enviou uma bomba ao parlamento às vésperas do recesso.
Oposição pediu tempo, mas governo recusou
Durante a sessão, sob gritos de “retira, retira, retira” por parte das bancadas de PT, PSOL e PCdoB, o deputado Miguel Rossetto (PT) solicitou a retirada do regime de urgência do PL. Em manifestação prévia à votação do projeto, Rossetto cobrou que o líder do governo, deputado Frederico Antunes (PP), informasse no plenário se a solicitação foi aceita pela gestão estadual. “Trata-se de um projeto complexo, estratégico, profundamente alterador das relações do Estado e das instituições”, afirmou o deputado petista ao fazer a solicitação.
Antunes respondeu ter consultado o governo e sugerido a postergação da votação, mas que o governo queria seguir. “O governo me pediu as motivações (para retirada da urgência) e eu disse a ele que não havia uma motivação que pudesse ser externada. O governo, então, de forma democrática, permanece com a possibilidade do amplo e bom debate ao longo desse período de discussão e do encaminhamento do projeto”, afirmou Antunes.
O “longo período de discussão” referido por Antunes durou 55 minutos. Quanto à falta de motivação, Antunes não mencionou a necessidade de mais debate e análise de projeto que aumenta o caráter privatista do estado mencionado por Rossetto.
Antes da votação, houve uma discussão entre o deputado Marcus Vinícius (PP) e Rossetto. O deputado Marcus Vinícius defendeu o projeto, alegando que ele traz segurança jurídica para fazer convênios e contratos. “Nós não podemos entender que essa legislação, que é um aperfeiçoamento da legislação federal, seja um instrumento do mal. E os instrumentos jurídicos lá de Brasília, geridos pelo PT, são os instrumentos do bem. Não, não há dois pesos, duas medidas. Aqui, hoje, nós estamos falando de reforçar controles, aumentar a transparência e o rigor na relação contratual com instituições que prestam serviços de relevância para o estado do Rio Grande do Sul”, afirmou o deputado do Progressistas.
Rossetto respondeu ao colega que havia uma incompreensão sobre do que se trata, na verdade, o PL. “O que está sendo votado aqui, deputado Marcos Vinicius, não é a relação do Estado com ONGs, contratação de convênios, não é disso. A sua manifestação aqui comprova o profundo desconhecimento do senhor e provavelmente de outros parlamentares do que está sendo votado”, disse. E emendou: “O que nós estamos falando aqui, o projeto que o governo apresenta é transferir a escola pública para a gestão de uma organização social. É acabar com o Instituto Rio Grandense do Arroz e delegar as competências do Irga para uma organização social privada. É acabar com a Fundação Theatro São Pedro. Por isso a gravidade desse projeto e, por isso, solicitei à liderança do governo mais tempo”.
À Matinal, Aragon Dasso, professor de Administração Pública da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), confirmou a visão da oposição sobre o impacto do PL. Na prática, disse Aragon, quando a gestão é assumida por uma OS, o órgão ou fundação costuma ser extinto. “A OS vai receber concurso orçamentário para prestar o serviço que aquele órgão prestava, então o governo pode extinguir a fundação ou órgão. Há inclusive a possibilidade de que a OS receba bens públicos em regime de cedência”, explica Dasso.
Na véspera da votação, o Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers) convocou uma coletiva de imprensa manifestando o risco de precarização dos serviços públicos e criticando a velocidade com que o projeto tramitou no legislativo. Na última sexta-feira (5), o Cpers já havia publicado uma nota assinada por outras 29 entidades alertando sobre os riscos do projeto de lei. Governos anteriores já haviam tentado passar um projeto com esse objetivo, sem sucesso.
Durante a apresentação da programação do Multipalco para o período entre janeiro e março de 2026, o secretário-adjunto da cultura Fabiam Thomas rechaçou uma possível privatização da fundação quando questionado pela Matinal sobre o projeto de lei. “Isso jamais foi pautado. Não está sendo pautado. Sequer é cogitado”, afirmou o então presidente interino da FTSP, que ocupou o cargo até Luciano Alabarse assumir a presidência da instituição naquela data.
Como votaram os parlamentares
Favoráveis
Adolfo Brito (PP)
Adriana Lara (PL)
Airton Artus (PDT)
Airton Lima (Podemos)
Aloísio Classmann (União Brasil)
Capitão Martim (Republicanos)
Carlos Búrigo (MDB)
Cláudio Tatsch (PL)
Delegada Nadine (PSDB)
Delegado Zucco (Republicanos)
Dimas Costa (PSD)
Dirceu Franciscon (União Brasil)
Dr. Thiago Duarte (União Brasil)
Elton Weber (PSB)
Felipe Camozzato (Novo)
Frederico Antunes (PP)
Guilherme Pasin (PP)
Joel Wilhelm (PP)
Kaká D'Ávila (PSDB)
Kelly Moraes (PL)
Luciano Silveira (MDB)
Luiz Marenco (PDT)
Marcus Vinícius (PP)
Neri, o Carteiro (PSDB)
Paparico Bacchi (PL)
Patrícia Alba (MDB)
Pedro Pereira (PSDB)
Prof. Cláudio Branchieri (Podemos)
Professor Bonatto (PSDB)
Professor Issur Koch (PP)
Rafael Braga (MDB)
Rodrigo Lorenzoni (PP)
Silvana Covatti (PP)
Tiago Cadó (PDT)
Vilmar Zanchin (MDB)
Contrários
Adão Pretto Filho (PT)
Bruna Rodrigues (PCdoB)
Halley Lino (PT)
Jeferson Fernandes (PT)
Laura Sito (PT)
Luciana Genro (PSOL)
Matheus Gomes (PSOL)
Miguel Rossetto (PT)
Sofia Cavedon (PT)
Valdeci Oliveira (PT)
Ausentes/Não votaram
Eliana Bayer (Republicanos)
Elizandro Sabino (PRD)
Gerson Burmann (PDT)
Gustavo Victorino (Republicanos)
Leonel Radde (PT)
Pepe Vargas* (PT)
Sergio Peres (Republicanos)
Stela Farias (PT)
Tiago Simon (MDB)
Zé Nunes (PT)
*como presidente da Assembleia Legislativa, só vota em caso de empate.