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TCE responsabiliza Melo e Marchezan por falhas no sistema de proteção contra cheias em 2024

Também foram responsabilizados secretários, gestores, técnicos e uma pessoa jurídica. Auditores alertam para maiores riscos com concessão do Dmae

TCE responsabiliza Melo e Marchezan por falhas no sistema de proteção contra cheias em 2024
Centro Histórico em 16 de maio de 2024 | Foto: Giulian Serafim/PMPA

O Tribunal de Contas do Estado (TCE) concluiu um processo de auditoria sobre as falhas no sistema de proteção de cheias de Porto Alegre frente à enchente de 2024. A conclusão dos auditores é que, mesmo que a enchente tenha sido um “evento climático extremo” inevitável, agentes públicos e privados têm responsabilidades sobre os impactos da cheia. 

O relatório justifica a conclusão ao apontar que o nível do Guaíba durante a enchente não atingiu o nível de referência projetado em 1970, quando da construção do sistema de proteção de cheias (SPCC). O texto afirma ainda que o sistema de proteção começou a falhar antes mesmo que as cotas atingissem o nível da cheia história de 1941. 

“Logo, quando se analisa o funcionamento e as falhas do SPCC, afasta-se de plano a excludente de responsabilidade em razão da força maior pela excepcionalidade do evento climático de 2024”, diz o relatório. 

O objetivo da auditoria era identificar as causas e responsabilidades pelas falhas do SPCC sob encargo do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Foram analisados principalmente os exercícios de 2018 a 2024, mas documentos mais antigos também foram levados em conta.

Avenida Mauá em 16 de maio de 2024 | Foto: Giulian Serafim/PMPA

Os auditores correlacionam os impactos na cidade com as falhas no sistema de estruturas e equipamentos, analisando três aspectos: a adequação conceitual dos projetos e das obras do sistema construído; o planejamento e execução da manutenção destas estruturas; e a gestão e organização municipal para efetivação do sistema de proteção.

O relatório, ao qual a Matinal teve acesso, ainda conclui que, frente à crise climática, os agentes públicos e privados carregam a responsabilidade de incrementar os sistemas de proteção: “E mais: passados 50 anos desde a concepção do SPCC e diante do cenário atual, marcado por mudanças climáticas e pela maior frequência de eventos extremos, seria esperado que esse nível de proteção fosse, no mínimo, mantido ou ampliado desde então – o que não ocorreu”.

Ao todo, o relatório sugere que 33 pessoas sejam intimadas para prestar esclarecimentos ou defesa. 

Embora a auditoria não vise apurar danos financeiros ou imputar responsabilidades de ressarcimento, o relatório sugere a aplicação de penalidade de multa proporcional ao dano causado ao erário a todos os responsáveis citados. O documento também esclarece que a conclusão desta auditoria não impede que o controle externo, posteriormente, relacione os montantes financeiros às condutas apuradas nesta investigação.

O TCE ainda sugere que o Controle Interno do Município de Porto Alegre tome ciência do processo e acompanhe as determinações e recomendações do tribunal. O relatório deve ser encaminhado à Câmara de Vereadores e à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Dmae, bem como ao Ministério Público (MP).

Melo e Marchezan responsabilizados por culpa grave ou erro grosseiro

Segundo o TCE, o risco de aumento de eventos extremos era previsível e, portanto, o sistema de proteção contra cheias deveria ter sido atualizado desde a década de 1970. Para o tribunal, Melo e Marchezan têm fartos indícios de caracterização de culpa grave ou erro grosseiro, por ações e omissões que levaram a uma “grave inobservância do dever de cuidado”. Secretários, gestores, técnicos e uma empresa também foram responsabilizados. 

Na gestão Marchezan, o relatório destaca que R$ 11 milhões não foram aplicados no âmbito no programa DrenaPOA, que visava qualificar a drenagem e proteção de cheias na capital, por falta de apresentação de projetos.

Quanto a Melo, os auditores citam como agravantes o fato de que o atual prefeito participou de eventos como a Conferência do Meio Ambiente, em 2022, em que foi signatário do documento final. Portanto, Melo tinha total conhecimento dos riscos que as mudanças climáticas traziam para Porto Alegre.

“O evento contou com a participação de vários especialistas na temática, cujas apresentações alertaram que o aquecimento global já era uma realidade em Porto Alegre e que as mudanças climáticas implicavam riscos de elevação do nível do Guaíba”, afirmam os auditores. 

O documento ainda destaca que o município deve obedecer ao estabelecido na Lei Complementar Municipal 872 de 2020, que apresenta princípios e diretrizes relacionados a medidas de prevenção e adaptação às mudanças climáticas – e incluem riscos de inundação.

“Urge um apelo para que a gestão pública abandone a cultura contemplativa das tragédias. É um consenso na academia e nos foros técnicos especializados a necessidade de uma ação proativa e contínua em resposta aos fenômenos naturais cada vez mais severos, com previsão de investimentos e políticas públicas de médio e longo prazo para mitigar desastres. O SPCC foi projetado para um evento como o de 1941 acrescido de mais 1,20m de cota, há mais de 80 anos, e neste ambiente de mudanças, eventos ainda mais severos que o de 2024 são esperados no futuro”, alerta a auditoria.

Riscos podem aumentar com terceirização do Dmae

Em 2019, as competências que antes pertenciam ao Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), extinto em 2017, foram incorporadas ao Dmae. Em 2021, funções foram acrescidas, concluindo a transferência de competências. 

A auditoria do TCE aponta que problemas nesta transição estão relacionados a diversas das falhas do sistema de proteção contra cheias. O Dmae falhou no monitoramento das alturas dos diques e na ampliação das estruturas. O órgão também não respondeu aos pedidos de informação do TCE nos prazos firmados.

O Tribunal destaca também que episódios de chuvas intensas e cheias, como as ocorridas em 2015 e 2023, já evidenciaram falhas no sistema de proteção, que deveriam ter sido corrigidas. 

Nos anos de 2013 e 2014, o DEP contava com cerca de 200 servidores. Quando foram transferidas para o Dmae, as responsabilidades desse grupo passaram a ser exercidas por somente cerca de 90 servidores. Nos últimos 10 anos, o quadro de pessoal do Dmae também foi reduzido: os cargos ocupados passaram de 49% em 2014 para 28,8% em abril de 2024.

A unidade da Diretoria de Gestão e Desenvolvimento responsável por planejar os projetos de infraestrutura, de sistemas de drenagem e proteção contra cheias nunca teve ingresso de servidores e conta com apenas dois funcionários, que, segundo o TCE, “trabalham basicamente em análises de projetos de novos empreendimentos”.

Na ocasião da enchente, só havia um funcionário atuando na Equipe de Proteção contra Cheias. 

O tribunal aponta que o movimento de terceirização das atividades realizadas pelo Dmae traz risco de perda de controle e de supervisão direta das atividades, de precarização do trabalho e comprometimento da continuidade operacional e da manutenção do conhecimento técnico especializado. 

“Assim, conclui-se que a terceirização de atividades essenciais, expõe o DMAE a riscos críticos, materiais e relevantes. Esses riscos possuem impacto significativo na continuidade operacional. Todavia, observou-se que esse tema tão crítico e relevante não foi considerado na matriz de risco do DMAE”, aponta o relatório.

Valentina Bressan

Repórter investigativa na Matinal. Graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Já publicou nas revistas Veja Saúde, Viagem & Turismo e Superinteressante. Contato: valentina@matinal.org

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